Haddad sinaliza pela primeira vez possibilidade de revogar aumento da tarifa
“A proposta de quem usa o carro pagar por quem contribui usando o transporte público me agrada”, disse o prefeito
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), admitiu pela primeira vez a possibilidade de revogar o reajuste da tarifa de ônibus na capital, na manhã de hoje (18). Em reunião com o Movimento Passe Livre (MPL) no Conselho da Cidade, ele afirmou que vai analisar as reivindicações do MPL e considerar a posição dos conselheiros que se manifestaram favoráveis à revogação, e os convidaria para negociar até o fim desta semana. Mas ponderou que a redução vai provocar uma necessidade de subsídio da ordem de R$ 1,4 bilhão até o fim deste ano, dinheiro que teria de ser retirado de outras áreas do orçamento.
O prefeito afirmou que considera a hipótese de usar tributos para financiar o transporte público. A aplicação do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) e da da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustíveis (Cide-combustíveis) para financiar a mobilidade, porém, dependeria de reforma a ser aprovada pelo Congresso Nacional. “Eu acho que quem deveria financiar o sistema público é o transporte individual. A proposta de quem usa o carro pagar por quem contribui com a cidade usando o transporte público é uma ideia que me agrada”, afirmou Haddad.
“Nós temos caminhos para trilhar. Desonerações são uma possibilidade. Abrir as planilhas e verificar se tem gordura no lucro dos empresários, eu sou favorável. Se conseguir uma fonte alternativa de financiamento viável, como IPTU, Cide, pedágio urbano, nós vamos analisar”, considerou. E prosseguiu: “O que eu não posso é omitir da população que isso vai demandar o deslocamento da verba de um setor para outro. Mas, se a população considerar que isso vale a pena, nós teremos de fazer”.
O discurso é uma clara mudança de tom em relação ao posicionamento da última quinta-feira (13), quando o prefeito afirmou que não era possível rever o reajuste: “Vou repetir para deixar bastante claro. Não pretendo, porque o esforço que foi feito ao longo do ano para que o reajuste da tarifa fosse muito abaixo da inflação foi enorme. E o aumento vai significar investir mais de R$ 600 milhões em subsídios.”
Hoje, Haddad disse também que irá a Brasília amanhã (19) para, juntamente com entidades representativas de prefeitos, expor aos senadores a necessidade de se aprovar o Projeto de Lei da Câmara 310, de 2009, que institui o Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros (Reitup). Para o prefeito, a aprovação deste projeto tornaria possível pensar com mais tranquilidade na revogação do aumento da tarifa, pois concede desonerações fiscais às empresas de ônibus.
Para o movimento, a justificativa da prefeitura não é pertinente. Segundo o secretário-executivo da central sindical CSP-Conlutas e presidente do PSTU, José Maria de Almeida, que compareceu como um dos representantes do movimento, poderia se retirar recursos da dívida com a União. “Todo ano a prefeitura passa R$ 4,4 bilhões para pagamento da dívida pública. Outros R$ 2,4 bilhões são repassados a empresas privadas ditas sem fins lucrativos. Se o governo negociar com o governo federal e repensar sua destinação de verba, é possível financiar até mesmo a tarifa zero na cidade de São Paulo”, defende Zé Maria.
Este ano Haddad esteve em Brasília negociando com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a possibilidade de pedir ao Legislativo que aprove uma mudança na forma de cálculo da dívida.
De acordo com a militante do MPL Mayara Vivian, os protestos não vão parar por conta da sinalização de negociação. “O povo não sai da rua enquanto a tarifa não baixar”, afirmou. Para ela, além da questão do orçamento e dos gastos da gestão, existe mais um sujeito que precisa ser trazido ao debate. “A prefeitura tem de peitar a iniciativa privada e tirar o lucro excessivo dos empresários”, protestou. Para ela, a desoneração não é um bom caminho por que, de uma maneira geral, somente favorece aos donos das empresas. “Vai aumentar o lucro deles”, afirmou Mayara.
Nesse sentido, o debate parece ser mais complicado. De acordo com o Secretário Municipal de Transportes, Jilmar Tatto, os empresários são um grupo difícil de enfrentar. “Os empresários são um setor atrasado, tanto que foram contra a criação do Bilhete Único. É um setor cartelizado. Hoje é muito difícil retirar um operador do sistema”, avalia. Para o secretário, é preciso rediscutir todo o sistema. “Os empresários e os proprietários de carros têm de pagar também pelo transporte público”, ponderou.
Segundo Tatto, a tarifa em São Paulo é custeada em 70% pela tarifa paga pela população, 20% em subsídios da gestão municipal e 10% em investimento dos empresários. Na Europa, ainda segundo o secretário, o modelo compõe o custo do transportes com um terço do valor de cada uma das partes.
Em várias oportunidades, os militantes ressaltaram a necessidade de abrir as planilhas de financiamento do transporte para conhecimento público e ressaltaram que, seguindo a nflação desde 1994, quando a tarifa era R$ 0,50, até hoje, a tarifa devia ser R$ 1,82, pois o valor acumulado da inflação é de 192%. No entanto, a tarifa subiu 392% no período. “Queremos cópias das planilhas de custos que compõem a tarifa, para auditá-las em conjunto com o Ministério Público”, afirmou Zé Maria.
A reunião extraordinária do Conselho da Cidade para discutir transporte público foi convocada depois da onda de protestos iniciada no dia 6 de junho, contra o aumento da tarifa de R$ 3, para R$ 3,20, no dia 6 de junho. O encontro durou cinco horas e contou com a participação de três militantes do Movimento Passe Livre, um dirigente da organização sindical Conlutas e um do coletivo Juntos, ligado ao Psol, além da maioria dos secretários municipais e dos conselheiros da cidade.
Da Rede Brasil Atual