História|A Cara do Brasil

O samba com que o mundo identifica o Brasil tem sotaque carioca, sangue nordestino
e africano e defensores de suas raízes nos quatro cantos do país. Acima de tudo, sua alma
é genuinamente popular
Por Letícia Vidor

    Clássicos populares
Os Batutas, com Pixinguinha ao centro tocando saxofone, estrearam em 1919 com
choros, sambas e ritmos sertanejos

O samba carioca, do modo como o conhecemos atualmente,
consagrado de norte a sul do país como o ritmo de nossa identidade
nacional, é uma criação bastante recente. Nas duas primeiras décadas do
século passado, era possível ouvir no Rio de Janeiro uma infinidade de
ritmos musicais brasileiros. Predominavam os sertanejos, o choro e
variações do que viria a ser conhecido como samba. Entretanto, embora
houvesse uma certa disputa pela primazia em relação à preferência dos
ouvintes, não havia uma oposição entre os gêneros.

João
Pernambuco é um dos nomes obrigatórios a ser lembrados entre os
precursores do ritmo. Nascido no Recife em 1883, ele chegou ao Rio de
Janeiro aos 20 anos. Trabalhava até 16 horas por dia e aproveitava o
que lhe restava dele ao lado do violão. Em pouco tempo, antes do final
dos anos 10, já era considerado mestre do instrumento e do choro. Além
dos ritmos nordestinos, compunha sambas e batuques. Sua canção Caboca
de Caxangá, também atribuída a Catulo da Paixão Cearense (de Luar do
Sertão), divertiu o público no Carnaval de 1914 e foi gravada sob o
rótulo de “batuque sertanejo”.

Aos
poucos, porém, o samba toma forma e conquista o gosto de uma
significativa parcela da população brasileira até se firmar
definitivamente como o ritmo mais representativo do país. Um forte
motivo para isso foi a divulgação que esse gênero alcançou na
incipiente demanda por consumo cultural de massas que surgia na então
capital federal.

Nesse
momento, inicia-se a produção de discos. O sucesso de Pelo Telefone,
gravado em 1916, fez dela um divisor de águas na música brasileira. O
tema central da canção é uma sátira à cumplicidade entre um delegado da
polícia e o jogo ilícito. Apesar de a versão original ser outra, a que
circulou de boca em boca começava assim: “O chefe de polícia pelo
telefone mandou avisar/ Que na Carioca tem uma roleta para se
jogar…/Ai, ai, ai, o chefe gosta da roleta, ó maninha/”.

Essa
composição foi registrada por Donga, freqüentador assíduo da casa da
tia Ciata, uma espécie de embaixada do samba dos redutos negros
cariocas da época. Além de Donga, lá compareciam outras grandes figuras
do mundo musical, como Pixinguinha, João da Baiana, Sinhô e Heitor dos
Prazeres.

Trilha sonora

O teatro de revista foi outro poderoso meio de projeção do samba. No
período anterior ao Carnaval, eram montadas as chamadas “revistas
carnavalescas”. Mas também fora da temporada de Momo o teatro rebolado
divulgava o trabalho dos compositores populares. Assim ficou conhecida
a obra de Sinhô, o “Rei do Samba”, maior expoente desse gênero musical
nos anos 20. Araci Cortes, a primeira grande cantora de sambas,
tornou-se célebre nos palcos interpretando a personagem da “mulata
brasileira” em várias revistas musicais.

Nesse
momento eram abertas as primeiras salas de cinema do Rio de Janeiro,
onde se realizaram também apresentações musicais. Em 1919, no elegante
Cine Palais, os Oito Batutas estrearam sua primeira temporada cantando
choros, sambas e ritmos sertanejos. Na formação do grupo estavam
músicos de primeira linha: como os irmãos Pixinguinha (flauta) e China
(voz e violão), Donga (violão), Nelson Alves (cavaquinho), Raul
Palmieri (violão), Luiz Pinto (bandola e reco-reco), José Alves
(bandolim e ganzá) e Jacob Palmieri (pandeiro).

No
começo dos anos 30, o samba já havia se to