História|Sacis de todo o Brasil, uni-vos!

De geração a geração, a sabedoria popular preserva a memória do Brasil e integra a identidade nacional. Defender o 31 de Outubro, Dia Nacional do Saci, é proteger essa identidade da agenda consumista

Por Letícia Vidor de Sousa Reis
Ilustrações de Sônia Magalhães

O imaginário popular brasileiro é povoado por muitas lendas e personagens encantados, como o Saci, o Boto, o Curupira, a Iara, o Boitatá, o Negrinho do Pastoreio, a Mula-sem-Cabeça e tantos outros. Essas narrativas, contadas em todas as regiões do país com algumas adaptações aqui e ali, foram transmitidas de geração a geração. Elas guardam parte importante de nossa memória histórica e são parte da nossa identidade nacional. Pesquisadores dessa cultura, desde o final do século 19, dedicam-se ao registro escrito de nossa tradição oral. O escritor Mário de Andrade percorreu o interior do Brasil nas décadas de 1920 e 1930 recolhendo cantigas, lendas, danças e brincadeiras.

A riqueza do folclore brasileiro deve-se à diversidade cultural da população, formada por indígenas, europeus e africanos. Essa mistura cultural expressa-se na própria composição dos personagens. O Saci aparece nos mitos indígenas como um duende perneta de cabelos vermelhos, mas popularizou-se de um jeito africano como um moleque negro que pula numa perna só, fuma cachimbo e usa um gorro vermelho. Iara, a Mãe-d’Água, é uma versão indígena para a lenda grega da sereia, trazida para cá pelos colonizadores portugueses.

No folclore da Região Norte predominam os mitos de origem indígena. O Curupira é o protetor da floresta e de seus habitantes, encarregado de perseguir os caçadores que atiram em fêmeas grávidas ou matam animais além de suas necessidades. A descrição de sua figura varia bastante, mas, em geral, é representado como um menino com o corpo coberto de pêlos e os pés voltados para trás.

Há também o Boto, zelador dos rios e dos peixes que, nas noites de festa, se transforma num belo rapaz para conquistar as índias jovens e bonitas. Ele as seduz com seu canto, arrastando-as para o fundo dos rios. A figura feminina correspondente à do Boto é a irresistível Iara, moradora dos rios, lagos e igarapés. Senhora das águas, ela enfeitiça os homens com sua beleza e seu canto harmonioso e os atrai para o fundo dos rios.

No Nordeste, contam-se muitas histórias do Lobisomem. Esse personagem provém da mitologia grega e romana e “chegou” ao Brasil com os portugueses. O Lobisomem, em geral o sétimo filho de um casal, surge disfarçado na forma de um homem magro e abatido. Toda sexta-feira à meia-noite ele vai até uma encruzilhada, tira sua roupa, a vira pelo avesso e se transforma num bicho de corpo peludo, orelhas compridas e garras afiadas. Para libertá-lo desse destino, é preciso ter a coragem de segui-lo até a encruzilhada, esperar que se dispa e trocar sua muda de roupa por outra novinha em folha.

Porém, se o Lobisomem tem salvação, o mesmo não ocorre com a Mula-sem-Cabeça, freqüente nas lendas do Centro-Oeste. Ela é uma mulher que se casou com um padre e, por isso, vira um monstro todas as noites de quinta para sexta-feira. Sai enfurecida pelas estradas, pisando no que encontra pela frente com seus cascos afiados, e só retorna à forma humana ao romper a aurora. Na semana seguinte, no entanto, a Mula-sem-Cabeça revive sua sina infeliz.

Moscas na sopa

As travessuras do Saci são contadas sobretudo nas narrativas populares da Região Sudeste. Tio Barnabé, um dos personagens do escritor Monteiro Lobato, assim o de