“Ideia de posse” é o principal motivo de agressão de homens contra mulheres, afirma pesquisador

Violência diminuiu nos últimos 10 anos, mas quadro continua grave: 150 mulheres são agredidas por hora

A cada  dois minutos, cinco mulheres são vítimas de violência no Brasil, aponta a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”. O estudo  foi realizado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (Sesc). Em 2001, o número era ainda maior: oito mulheres em dois minutos.  A violência contra a mulher continua surpreendendo pelos números e pela motivação, indica o cientista político e professor na Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Venturi, que coordenou a pesquisa.

“Metade dos casos de homens que assumiram que agridem e mulheres que assumiram que são agredidas remete a uma discussão sobre fidelidade, com ideia de posse de um sobre o outro, o que mostra claramente a mentalidade machista e conservadora que há no país”, afirma o pesquisador.

Dados da pesquisa realizada em 2010 com homens e mulheres revelam que 8% dos homens entrevistados admitem já terem batido “em mulher ou namorada”. Um quarto (25%) diz saber de “parente próximo” que já agrediu a parceira e quase metade (48%), afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”.

Mulheres brasileieras
A pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizada em 2010, ouviu 2.365 mulheres e 1.181 homens, com mais de 15 anos de idade, de 25 estados, de áreas urbanas e rurais.

A margem de erro da pesquisa é entre 2 e 4 pontos percentuais para mulheres e entre 3 e 4 pontos para os homens. Em ambos a intervalo de confiança é de 95%.
Venturi analisa que “já é tempo de discutir mais abertamente essa questão sobre o direito quase de propriedade sobre o corpo do outro”.  “Essa noção de que o cônjuge tem direito de posse sobre o corpo do outro e de determinar o que o outro pode fazer ou não e com quem deve estar ou não precisa ser discutida”, alerta o pesquisador.

O sentimento de posse estaria implícita em ideias corriqueiras, expressas por ditados populares, mas também pode ser percebida em casos extremos. “Essa questão pode variar desde ´quem ama tem ciúme´ com implicações leves, mas pode chegar aos casos extremos que vemos com muita frequência daquele sujeito que diz ´se não é comigo não será com ninguém´ e mata sua companheira ou ex-companheira”, descreve.

Violência subestimada
Pela primeira vez, a pesquisa ouviu homens além de mulheres. Entretanto, Venturi vê os 8% que admitem terem agredido a esposa ou namorada com cautela, já que o índice real deve ser ainda maior. Para evitar que o mesmo ocorresse na amostra feminina, somente pesquisadoras entrevistaram mulheres, sem a presença de outras pessoas, principalmente o próprio agressor, já que 80% deles são maridos ou namorados.

De acordo com o levantamento, 18% das mulheres consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”; 40% já teriam sofrido alguma modalidade de violência, ao menos uma vez na vida; 24% algum tipo de controle ou cerceamento; 23% alguma violência psíquica ou verbal, e 24% alguma ameaça ou violência física propriamente dita.

Entre as modalidades de violência mais frequentes, 16% de mulheres já levaram tapas, empurrões ou foram sacudidas, 16% sofreram xingamentos e ofensas recorrentes devido a sua conduta sexual e 15% foram controladas a respeito do local aonde iam e com quem sairiam. Além disso, 13% sofreram ameaças de surra e 10% já foi de fato espancada ao menos uma vez na vida.

A pesquisa também constatou que a continuidade de vínculo marital é mais alta nos casos de violência psíquica. De 29% a 43% das mulheres mantêm o relacionamento. A manutenção do vínculo com o agressor também permanece em 20% dos casos de espancamento e mais de 30% diante de diferentes formas de controle e cerceamento.

Apesar de tudo, avanços
A violência contra a mulher já foi pior, lembra o cientista político. A pesquisa de 2010 detectou avanços em relação ao mesmo levantamento em 2001, apesar do quadro de violência. Antes 8 mulheres sofriam violência a cada 2 minutos, agora estima-se 5 mulheres a cada 2 minutos.  “(O levantamento) aponta tendência de melhora, mas ainda num quadro de grave violência”, argumenta o cientista político.

“Isso exige intervenção forte de políticas públicas para combater esse fenômeno”, observa.

O levantamento também identificou que 90% dos entrevistados, tanto homens como mulheres, demonstraram conhecer a Lei Maria da Penha. Contudo, ainda não é possível detectar se a lei reduziu a violência. “Os resultados não permitem estabelecer uma relação direta entre causa e consequência entre a Lei Maria da Penha e essa percepção do tema da violência”, constata.

Para Venturi, a lei tem papel punitivo e preventivo. “É legítimo imaginar que a existência da lei tenha contribuído sim para a tendência de melhora da situação da mulher já que boa parte dos homens conhece e têm (isso) no horizonte antes de cometer o ato de violência”, acrescenta.

Da Rede Brasil Atual