Importado afeta indústrias do ABCD

Presidente da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), o empresário Paulo Skaf, avalia os riscos da desindustrialização e da perda de empregos com a crescente importação de veículos no mercado nacional. Skaf explica a necessidade de tomar medidas urgentes e do diálogo permanente entre indústria e sindicatos para encontrar saídas. Em entrevista ao ABCD MAIOR, Skaf antecipa que, se a situação continuar como está, o futuro da indústria poderá ficar restrito à etapa final de montagem do veículo, eliminando os postos de trabalho no resto da cadeia automotiva.

ABCD MAIOR – Como o senhor avalia o risco da desindustrialização no País?
Paulo Skaf
– Na verdade, o País está passando por um processo de desindustrialização há algum tempo. Em 1985, a participação da indústria de transformação no PIB foi de 27%, atualmente caiu para 16%. Em 2010, a sobrevalorização da taxa de câmbio foi a responsável pelo déficit de US$ 71 bilhões no comércio exterior dos produtos manufaturados e pela redução da participação desses produtos na pauta exportadora do Brasil. E a tendência é encerrar 2011 com um déficit ainda maior, atingindo a US$ 100 bilhões, o que representa dois milhões de empregos. Se nada for feito, esta tendência se acentuará, pondo em risco a indústria brasileira, este verdadeiro patrimônio que o Brasil levou mais de 200 anos para construir.

ABCD MAIOR – Quais seriam as medidas mais urgentes? Como o senhor vê a mobilização do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em função desse tema?
Skaf
– A estrutura industrial brasileira sofre com distorções que impedem o pleno potencial de sua competitividade. Para o País retomar o caminho de crescimento com uma indústria forte são necessárias medidas urgentes como a redução da taxa de juros, ajuste da taxa de câmbio, eliminação de subsídios às importações, desoneração dos investimentos e das exportações. E foi em defesa da indústria que os empresários e os trabalhadores se uniram para pleitear as mudanças necessárias e propor medidas concretas ao governo.

ABCD MAIOR – As previsões indicam que as importações podem atingir um milhão de veículos até o final do ano. Isso pode significar a perda de mais de 100 mil postos de trabalho. Como fica a economia da Região?
Skaf –
O setor automobilístico é responsável por 10% do total dos empregos formais na Região do ABCD. Em São Bernardo, por exemplo, o setor responde por 17% do total do emprego formal. Se a estimativa de perda de postos de trabalho, devido ao elevado grau de importação do setor se confirmar, a economia do ABCD ficará bastante comprometida. Para cada emprego direto perdido, os demais setores da economia perdem três ou até quatro empregos relacionados a uma variedade de serviços e atividades integradas às atividades da indústria automotiva afetando a geração de renda para toda a economia.

ABCD MAIOR – A produção de veículos até 2025 vai chegar a seis milhões de unidades. Qual será essa origem?
Skaf –
A composição da oferta em 2025 entre carros nacionais e importados vai depender das medidas que forem adotadas hoje para a ampliação da competividade do setor. Atualmente, as condições são extremamente desfavoráveis: a carga tributária incidente sobre os automóveis, além de ser alta, atinge todas as etapas de produção da cadeia; a elevada taxa de juros, a taxa de câmbio sobrevalorizada e a infraestrutura ineficiente e cara. Por exemplo, apesar de o País ter um baixo custo de geração de energia elétrica, a tarifa para o consumidor final está entre as maiores do mundo.

ABCD MAIOR – Qual será o nível de atualização tecnológica?
Skaf –
O carro nacional atualmente já tem o mesmo nível de atualização tecnológica dos seus concorrentes estrangeiros, tendência essa que deverá ser mantida até 2025, pois a concorrência com os importados impõe esta equiparação.

ABCD MAIOR – Para onde caminha a indústria automotiva no País nos próximos cinco, dez anos?
Skaf –
O nível de competitividade do setor, no futuro, seja ele nos próximos cinco ou dez anos ou nos próximos 15, depende da vontade política para enfrentar os problemas citados anteriormente. A indústria automotiva é muito importante para a economia brasileira e devem ser priorizadas políticas de melhoria do cenário econômico de modo a incentivar a produção doméstica. Isso gera e mantém os empregos de qualidade no país e garante distribuição de renda.

ABCD MAIOR – E a qualidade e a quantidade de emprego?
Skaf –
Não há dúvida do potencial do setor em criar oportunidades de emprego de alta qualificação. No entanto, o crescimento do mercado interno associado a uma taxa de câmbio sobrevalorizada pode atrair produtores que passem a realizar somente as etapas de montagem final do automóvel no País, eliminando os postos de trabalho no resto da cadeia produtiva, com prejuízo para o desenvolvimento de autopeças, design, incorporação de novas tecnologias.

ABCD MAIOR – A participação dos tributos no preço dos automóveis no Brasil é o maior do mundo: Brasil 30,4%; China, 19,0%; Alemanha, 17,5%; Itália, 16,7%; França 17,5%; Reino Unido 14,9%; Índia 14,5%; Espanha, 13,8%; Japão 9,1%; EUA 6,1%. O que pode e deve ser feito?
Skaf –
Além da equalização da carga tributária em relação aos concorrentes estrangeiros, também é necessária uma racionalização do sistema que permita a redução da burocracia – que custa R$ 20 bilhões ao ano, segundo estudo da Fiesp. Também devem ser solucionadas questões referentes à eliminação da guerra fiscal entre os estados e da guerra dos portos e ao acumulo de créditos tributários estaduais e federais. Uma questão importante neste tema é a desoneração da folha de pagamento que permite a redução dos custos trabalhistas sem prejuízos aos direitos adquiridos pelos trabalhadores.

ABCD MAIOR – O que pode ser feito para aumentar competitividade das empresas?
Skaf –
Aliado à resolução dos problemas de ordem tributária, as questões de política econômica, como a maior taxa de juros real do mundo, o câmbio sobrevalorizado, os gargalos de infraestrutura deverão ser combatidos.

ABCD MAIOR – E a cadeia automotiva, como ficará?
Skaf –
O setor automobilístico apresenta um dos maiores encadeamentos do sistema produtivo nacional, pois é forte demandante de produtos e matérias-primas de vários outros setores. Portanto, a importação de veículos prontos ou de partes semiprontas, apenas para a montagem, causa dano na produção e na geração de empregos do setor que se propaga por toda a economia.

ABCD MAIOR – Como o senhor avalia a atual parceria de sindicalistas e empresários de São Paulo que, juntos, estão trabalhando para alertar o governo federal sobre a forte entrada de veículos importados?
Skaf –
Historicamente o desenvolvimento industrial foi o motor do crescimento da economia brasileira, gerando emprego, renda, urbanização e melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Por isso, o diálogo contínuo entre a Fiesp e as centrais sindicais é algo inovador e reflete o compromisso de construir um Brasil forte e industrializado. Isso demanda a união de trabalhadores, empresários e o governo na formação de um consenso sobre a política industrial que queremos para o País.

ABCD MAIOR – A saída para vencer os importados é ampliar o investimento em P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) no País?
Skaf –
O investimento em P&D é muito importante para o aumento da competitividade da indústria no geral. No entanto, o esforço inovador dos empresários não é suficiente para superar as barreiras impostas pelo cenário econômico atual relativo à taxa de câmbio, altos juros e carga tributária.

ABCD MAIOR – Os sindicatos e a Fiesp já solicitaram uma agenda com o governo. Porque esse encontro ainda não foi realizado? O que fazer para que ocorra o mais rápido possível?
Skaf –
Estamos aguardando, dada a importância dos assuntos, entendo que que seremos recebidos em breve.

Do ABCD Maior