Indústria de linha branca ensaia reajuste em cenário desfavorável

Vendas de fogões registram queda de 18% no primeiro bimestre no varejo nacional, segundo estudo da consultoria

Às vésperas do Dia das Mães, a segunda data mais importante do ano para o mercado de linha branca, depois do Natal, os fabricantes de eletrodomésticos estão em alerta. Sem a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que vigorou entre abril de 2009 e janeiro de 2010, as vendas caíram mais de 5% ao longo do ano passado e acumulam perdas de dois dígitos no primeiro bimestre deste ano.

Ao mesmo tempo, a pressão dos custos aumenta. Em 2010, a alta do preço de commodities como o plástico (que representa até 30% do custo dos produtos) e o aço (que responde por 5%) se combinou ao reajuste salarial da mão de obra acima da inflação. Só no Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, onde estão fábricas da Whirlpool e da Mabe, o reajuste foi de 9% – a inflação, medida pelo IPCA, subiu 5,9%. O aumento do preço do polipropileno, usado no interior de máquinas de lavar, por exemplo, saltou quase 30% ao longo de 2010.

“A pressão dos custos é imensa, voltamos a um Brasil inflacionário”, diz o alto executivo de uma das maiores fabricantes de linha branca do país. “Essa conta tem que ser repassada alguma hora e o assunto já está sendo levado ao varejo”, afirma. Outro grande fabricante concorda: “Estamos estudando o quanto será repassado”.

Ricardo Nunes, presidente da Máquina de Vendas, afirma que uma possível discussão de reajuste de preços ficou para depois do Dia das Mães. “O estoque de maio já está negociado”, diz Nunes, que reconhece ter ouvido as reclamações da indústria em cima do aumento de custos com matérias-primas.

Discutir o repasse não será tarefa fácil. “Ninguém trouxe o assunto para a mesa de reuniões ainda, mas vamos resistir até o último minuto”, diz um executivo de uma grande rede varejista. E a queda de braço entre os dois lados tem sido cada vez mais intensa, tendo em vista a concentração do varejo.

Desde 2009, tomou corpo o movimento de fusão e aquisição de grandes varejistas, que deu origem à Globex (Ponto Frio, Casas Bahia e Extra) e à Máquina de Vendas (Ricardo Eletro, Insinuante e City Lar). A Magazine Luiza também cresceu ao comprar a paraibana Lojas Maia.

“O movimento não deve parar por aí”, diz uma fonte da indústria, reforçando que Magazine Luiza e Máquina de Vendas estariam procurando outros ativos.

Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), estima que a taxa de crescimento de bens duráveis (eletrodomésticos e automóveis, por exemplo), deve ser de 12,2% – em 2010 foi de 15%. “O lojista tem que se esforçar muito mais este ano do que no ano passado para vender seus estoques”, diz o economista.

Simultaneamente, diz Bentes, a taxa de juros tanto para a pessoa física quanto pessoa jurídica será mais salgada. “Em 2010, a taxa de juros ao consumidor foi de 40,6% ao ano e deve ser de 41,1% este ano”. Para as empresas, o aperto será maior: 27,9% em 2010 contra 30,5% este ano, afirma. Ontem à noite, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que todas as operações de crédito à pessoa física, inclusive crédito imobiliário, vão pagar IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 3,0%, o dobro do atual, de 1,5%.

Preocupados com a fatia da receita abocanhada pelos juros, o varejo tem procurado diminuir seus custos financeiros. Desde o fim do ano passado, o Pão de Açúcar, maior varejista do país, puxou o movimento de menos parcelas sem juros no cartão. Na compra de eletrodomésticos, por exemplo, a prática de 18 vezes sem juros na rede Extra caiu para 10 vezes sem juros. E mesmo esse tipo de modalidade está com os dias contados, segundo o presidente de uma grande rede: “É impensável vender sem juros, uma hora vamos ter que mudar para o parcelado com juros”, afirma.

Nos últimos anos, a indústria vem se esforçando em lançar produtos mais baratos para atender a ascensão da classe C. Uma máquina de lavar roupa automática, por exemplo, pode ser encontrada hoje por R$ 600, algo impensável há três anos, quando esse tipo de produto custava em torno de R$ 1 mil.

O auge do consumo do setor se deu em 2009, quando vigorou a isenção do IPI: aumento de 30% em volume em relação a 2008. Para Oliver Römerscheidt, consultor da GfK, a comparação de 2009 com 2010 sai prejudicada por conta da ausência do IPI, e também pela Copa do Mundo, que puxou o consumo de eletroeletrônicos, especialmente de TVs de tela plana, no ano passado. “No cenário que traçamos para linha branca em novembro do ano passado, o aumento de vendas este ano para o setor seria entre 4% e 10%”, diz. O consultor admite, no entanto, que a maior alta deve vir de produtos com baixa penetração, como lavadoras e microondas. No entanto, refrigeradores e fogões representam quase 70% do mercado de linha branca.

Do Valor Econômico