Indústria quer reduzir custos com planos de saúde e SUS só para pobres

Setor reivindica uma saúde privada mais robusta, às custas de um SUS encolhido e sugere diretrizes que excluem a regulamentação de empresas que vendem produtos nocivos, como alimentos ultraprocessados

Foto: Divulgação

Unidade Básica de Saúde mantida com repasses do SUS na periferia de Embu Guaçu (SP)

Pelo conjunto de propostas entregues esta semana aos presidenciáveis, a indústria defende que subsídios aos planos de saúde estejam no centro das políticas do governo federal e o SUS seja encolhido, para atender apenas os mais pobres. Na agenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI) essa prioridade fica bem explicitada na descrição dos gastos das empresas com saúde privada. Em 2021, foram desembolsados mais de R$ 60 bilhões com planos de saúde para trabalhadores, uma estimativa a partir do menor valor dos contratos coletivos.

O documento menciona estudo do Serviço Social da Indústria (Sesi), que aponta quase 11 milhões de clientes de planos mantidos pelo setor. E que os planos de saúde representam uma média de 13% da folha de pagamento.

Um custo relevante para as empresas em geral, que tende a ser particularmente significativo no caso da indústria, em virtude de sua elevada participação nos planos privados de assistência à saúde”, diz trecho do documento. O mesmo levantamento mostrou ainda que o custo foi apontado por 61% das empresas como principal razão para não oferecer tal benefício aos seus trabalhadores.

Planos de saúde no lugar do SUS

Professor da Faculdade de Medicina da USP e especialista em saúde privada, Mário Scheffer considera que a CNI “alça os planos privados à categoria de ‘sistema”. Assim, deve ela própria regular o mercado de saúde suplementar. E que “vislumbra a atuação estatal, por meio do SUS, à assistência especialmente às famílias de baixa renda.

Isso porque, ainda que no custo total da produção a participação da despesa com pessoal seja inferior à de outros itens – matéria prima, energia e tributos – os planos de saúde pesam no processo industrial. Ainda mais com os reajustes anuais, acima da inflação. “Tal custo é subtraído de salários e embutido no preço dos bens produzidos. A conta é paga indiretamente pelos consumidores”, diz em seu blog Política&Saúde, no site do Estadão.

“Um SUS maior, universal e de qualidade, liberaria recursos para a indústria melhorar os salários que paga, diminuiria o preço dos produtos que fabrica, fazendo aumentar o consumo como um todo, alavancando a economia. Incrivelmente, porém, o SUS está fora do radar da CNI”, diz Scheffer.

Nessa perspectiva de centralidade da saúde privada, com mais incentivos para atender aos empresários, o SUS, dos pobres, seria “aproveitado” apenas em eventuais “sinergias” ou “parcerias”. Por exemplo, na “integração entre a atenção primária do SUS, a saúde suplementar e as iniciativas de saúde do trabalhador desenvolvidas pelas empresas”.

Diretrizes bolsonaristas

Dentre as “inovações” ao novo sistema sugeridas pela CNI aos presidenciáveis, Scheffer destaca a ampliação do uso da telemedicina. E também o compartilhamento de dados clínicos de pacientes pelas empresas, além do pagamento de médicos e hospitais baseado em resultados. E não mais em procedimentos realizados.

“Se a primeira parte da reforma proposta for atendida, que consistiria na redução dos custos das empresas com saúde privada, supõe-se que o novo modelo será fortemente subsidiado com recursos públicos”, acredita.

Scheffer critica também o fato de os donos das indústrias desprezarem as determinantes sociais no surgimento de doenças que causam faltas ao trabalho (absenteísmo). E também o Presenteísmo quando o trabalhador está presente, mas não consegue ser tão produtivo como antes. “Numa solução para lá de retrógrada, como adotar o uso do carvão, defendem apenas ‘mudanças de estilo de vida’”.

E comenta: “Não por acaso, uma das propostas da CNI é implantar uma política do governo Bolsonaro: ‘Enfrentamento das Doenças e Agravos Não Transmissíveis no Brasil (2021-2030)’. Um plano, diga-se de passagem, que exclui a regulamentação das práticas e atividades de indústrias que vendem produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. É o caso de alimentos ricos em sódio, açúcar, gorduras, ultraprocessados, agrotóxicos, álcool e tabaco. “Na melhor das hipóteses, a simplificação da promoção da saúde e da prevenção de doenças denota pouco ou nenhum contato com a ciência.”

Da CUT.