Inflação alta faz população pobre trocar alimentos saudáveis por ultraprocessados
Desde a crise econômica do Governo Temer, o consumo desse tipo de produto cresceu 60% entre as classes sociais mais baixas do país, segundo a USP
Além de comer menos, a maioria dos brasileiros está se alimentando mal. É o que mostra um levantamento feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP) com base nas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs), do Instituto Brasileiro de Economia e Estatísticas (IBGE).
De acordo com a análise, enquanto a inflação de alimentos e bebidas pesa no bolso da população, as famílias mais pobres estão trocando alimentos saudáveis e in natura pelos itens industrializados, chamados ultraprocessados.
Desde a crise econômica do governo de Michel Temer (MDB), o consumo desse tipo de produto cresceu 60% entre as classes sociais mais baixas do país. Por outro lado, nas faixas onde estão os 40% de brasileiros com maior renda mensal, o consumo de alimentos naturais cresceu, enquanto caiu o de ultraprocessados.
Para a vice-coordenadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens), Patrícia Constante Jaime, é preciso atentar para os fatos recentes como o desmonte das políticas públicas de alimentação e nutrição, a pandemia de Covid-19 e a inflação dos alimentos.
“Não há dúvidas de que esse contexto alterou a alimentação da população brasileira, possivelmente refletindo no aumento do consumo de alimentos ultraprocessados”, afirmou, em entrevista à Marco Zero Conteúdo.
O que são alimentos ultraprocessados?
De acordo com a nutricionista Nathália Lobo, entre as categorias de alimentos, os ultraprocessados são basicamente o oposto dos itens in natura. “São formulações industriais, com adição de cinco ou mais ingredientes, nutricionalmente muito pobres”, explica. Ela destaca que, geralmente, esses itens contêm muito açúcar, gordura, sal e aditivos.
“Eles têm sabor realçado por aditivos alimentares e têm maior prazo de validade, ou seja, aguentam mais tempo na prateleira. São pensados e desenvolvidos para atrair o consumidor com ingredientes que não são naturais”, comenta a profissional.
A nutricionista reforça que o consumo exagerado desses produtos acaba ocasionando deficiências nutricionais porque o mais importante que precisa ter no alimento-as vitaminas, os minerais os macros e micronutrientes -, estão presentes em menor quantidade nos ultraprocessados.
Nathália Lobo também alerta que o consumo desses itens não é recomendado, pois os aditivos químicos usados na fabricação possuem associação com doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e até mesmo câncer.
Comida de verdade está mais cara
De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), os gastos com produtos de Alimentação e Bebidas são os que mais pesam no orçamento das famílias brasileiras, com 19% de participação, tendo por base a inflação oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o peso é ainda maior: 22,1%.
Segundo especialistas, a inflação de alimentos como arroz, feijão, café, carnes, frutas e hortaliças tem sido mais elevada do que a de produtos como macarrão instantâneo, biscoitos recheados e salgadinhos de pacote. Desta forma, a população mais pobre tem sido empurrada para o consumo de ultraprocessados. “Muita gente compra esse tipo de produto pela praticidade e facilidade de acesso. São itens que tornam a vida mais prática por não se deteriorarem rápido”, diz a nutricionista.
Falta política pública efetiva de combate à fome
O presidente da CUT Ceará, Wil Pereira, afirma que a política econômica brasileira precisa ser alterada, para permitir, entre outros pontos, que a população volte a ter empregos, a renda assalariada possa subir e os alimentos saudáveis voltem a fazer parte da mesa dos brasileiros.
“Temos 33,1 milhões de brasileiros passando fome, num país com 12 milhões de desempregados e nenhuma política efetiva para combate às desigualdades sociais, que fomente a geração de emprego e renda”, pontua o dirigente sindical.
Pereira lembra que as promessas neoliberais, desde o golpe de 2016, nunca se tornaram realidade. “Ao contrário do que dizia, a reforma trabalhista trouxe mais desemprego e precarização da classe assalariada. A maioria dos trabalhadores vive na informalidade, submetendo-se a extensas jornadas, muitos em atividades mediadas por aplicativos, para conseguir ter o mínimo para comer. Grande parte, nem se alimentar consegue mais”.