Inspeção flagra trabalho escravo na extração de quartzo em MG
Fiscalização realizada em propriedades de extração de quartzo encontrou 31 trabalhadores submetidos à condição de trabalho escravo. Uma das vítimas que vinha sendo explorada há dez anos nas Fazendas Estoque e Dom Bosco, localizadas em Diamantina (MG). Segundo a inspeção, a responsável pela atividade era a João Batista de Queiroz Pires EPP.
Desde outubro do ano passado, o local vem sendo investigado, pois não possui licença para a extração do minério. Em função das informações colhidas no bojo do inquérito, a juíza federal Anna Cristina Rocha Gonçalves, da Subseção Judiciária de Sete Lagoas (MG), expediu mandado de busca e apreensão de equipamentos e determinou que a Polícia Federal (PF) tivesse a companhia de representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na operação.
Além dos três órgãos, acompanharam a ação agentes do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em Minas Gerais e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiverisdade (ICMBio) – mais especificamente no Parque Nacional das Sempre Vivas – órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA). A operação ocorreu entre 31 de março e 5 de abril.
Por conta de uma série de riscos e irregularidades constatadas, os auditores fiscais do trabalho determinaram a retirada imediata dos trabalhadores do local e interditaram as frentes de trabalho e os alojamentos. Eles viviam em ambiente considerado degradante: não tinham acesso à água potável nem a instalações sanitárias, além de estarem submetidos a uma jornada exaustiva de trabalho, sem pagamento de horas extras.
A fiscalização verificou que os trabalhadores foram contratados informalmente por um intermediário. O empregador não recolhia Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de ninguém. “Era uma relação de emprego totalmente informal, sem registro, sem garantia de pagamento de direitos elementares como o salário mínimo”, explica Helder Santos Amorim, procurador do trabalho que acompanhou a fiscalização.
Os empregados não possuíam treinamento específico para operar as máquinas, o que aumentava o risco de acidentes. Não eram fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). O custo das botas, luvas, chapéus, botinas e do material de higiene ficava por conta de cada um.
Nas frentes de trabalho, os empregados tinham contato com uma forte poeira. Como não tinham EPIs, estavam expostos a graves doenças respiratórias. Havia ainda riscos de acidentes por atropelamentos e por colisão de veículos, uma vez que no local não havia sinalização. Não havia instalações sanitárias nas frentes de trabalho e nem refeitórios para a realização das refeições, que eram feitas nos alojamentos ou no chão mesmo.
Nos dormitórios, a rede elétrica estava com a fiação sem proteção contra choques elétricos e, consequentemente, contra incêndios. Os alojamentos eram muito sujos, o que propiciava a circulação de insetos e roedores. Nem chuveiro os empregadores disponibilizaram. Uma família inteira – formada por uma mulher que exercia a função de cozinheira, pelo marido que catava lenha e por dois filhos menores – residia em um contêiner metálico improvisado como residência, sem instalação sanitária.
As vítimas recebiam por produção, conforme a quantidade de minério extraído (R$ 2,50 por tonelada). A remuneração era paga por equipe e o valor era dividido entre os seus integrantes (em média, seis pessoas). Os trabalhadores não tinham controle da quantidade de minério extraída. Não sabiam, portanto, quanto deveriam receber a cada mês. O empregador não efetuava os salários regularmente, em data fixa.
Alguns dos libertados vinham de outras cidades – como Senador Mourão (MG), Braúna (MG) e Vargem de Inhaí (MG) – e ficavam alojados no local durante a semana. Nos finais de semana, a mineradora levava parte do grupo até Senador Mourão (MG) e buscava novamente na segunda-feira. O transporte também era irregular, realizado por uma caminhonete aberta.
Outros eram de áreas rurais próximas das fazendas e retornavam para suas residências por conta própria durante a semana.
Uma década
Na Fazenda Estoque, oito pessoas foram libertadas, incluindo um adolescente de apenas 17 anos de idade. Um dos trabalhadores era submetido a condições de escravidão contemporânea há dez anos, sem jamais ter saído de férias ou recebido 13º salário. Outro empregado relatou que recebeu remuneração mensal variável entre R$ 200 e R$ 500. Em fevereiro, ele disse ter recebido R$ 750, a sua maior remuneração até o momento.
O adolescente encontrando pelos fiscais na Estoque completou 18 anos na última quinta-feira (7). Ele não estava matriculado em nenhuma escola e trabalhava há seis meses, de acordo com a fiscalização. De acordo com o procurador Helder, alguns empregados começaram a trabalhar no local ainda adolescentes, com menos de 18 anos. “Tem empregado com 20 anos que relatou que trabalha há mais de três no local”, conta.
O alojamento na Fazenda Estoque consistia em um cômodo coberto de telhas de fibras de amianto. As condições de higiene eram bastante precárias. Como não havia instalações sanitárias no local, as vítimas faziam suas necessidades fisiológicas no mato e tomavam banho numa lagoa de água escura, de onde se extraía a água para lavar as pedras.
Após a inspeção na Fazenda Estoque, a equipe se dirigiu à circunvizinha Fazenda Dom Bosco. No local, foram encontradas mais 23 trabalhadores em condições semelhantes aos da propriedade vistoriada anteriormente. A maioria estava alojada em um pequeno cômodo com várias beliches. Havia só um banheiro, sem porta e em péssimo estado de conservação.
Um trabalhador contou ter começado há oito anos como catador de pedras e há cerca de oito meses passara a trabalhar na manutenção de máquinas. Ele nunca teve sua Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) assinada, nunca teve férias e nem recebeu 13º salário. Nas vezes em que adoeceu, ficou em casa sem receber qualquer remuneração.
Após a fiscalização, os trabalhadores receberam a guia para sacar três parcelas do Seguro-Desemprego para Trabalhador Resgatado. Os empregadores Paulo Gorayeb Neves e Tatiana Drumond Pires, responsáveis pela empresa João Batista de Queiroz Pires, que administra as duas fazendas, se recusaram a efetuar os pagamentos das verbas rescisórias, que totalizaram R$ 200 mil. O MPT anunciou que pretende ingressar com uma ação civil pública para exigir o pagamento dos valores na Justiça. As máquinas utilizadas na extração irregular de quartzo foram apreendidas pela PF.
Do Repórter Brasil (Bianca Pyl)