Iraquiano que atacou estátua de Saddam diz se arrepender
Em 9 de abril de 2003, quando tropas dos EUA invadiram Bagdá, TVs do mundo inteiro divulgaram imagens de um iraquiano que dava marretadas em uma estátua do então ditador, Saddam Hussein. A queda da estátua, que exigiu a ajuda de um guindaste, se tornou símbolo do fim do regime. Onze anos depois, Kadom al-Jabouri, dono de uma loja de peças de moto, está arrependido de ter iniciado o ataque e diz ter saudade de Saddam.
Eu treinava em uma academia perto da praça Firdos e, toda vez que me deparava com aquela estátua, sonhava em, um dia, vê-la cair.
Algo me dizia que esse momento chegaria. Saddam era muito cruel. Ele mandou prender e enforcar vários membros da minha família, que estava envolvida com partidos islâmicos.
Eu mesmo passei anos detido [por exigir que um filho de Saddam pagasse uma moto que foi tomada da loja].
Quando ouvi que as tropas americanas estavam entrando em Bagdá, pensei que havia chegado a hora de eu mesmo derrubar a estátua.
Corri até a loja para pegar minha marreta, fui até a praça Firdos e comecei a dar pancadas na base da estátua.
Naquele instante, um porta-voz militar do regime dava uma entrevista à imprensa no hotel Sheraton, que fica na mesma praça.
Ao saber o que estava acontecendo do lado de fora, todos os jornalistas correram para me ver. Deixaram o porta-voz falando sozinho.
Vários agentes do regime, que estavam à paisana, me cercavam. Se eu estivesse sozinho, certamente me pegariam e matariam. Mas conheço muita gente naquele bairro e meus amigos me cercaram para eu continuar.
Pessoas foram chegando e me ajudando, mas estava difícil destruir a estátua. Após uns 40 minutos, tanques americanos chegaram à praça. Um general se aproximou e me perguntou se eu queria ajuda. Amarramos uma corda entre um tanque e a estátua para puxá-la para baixo, mas a corda quebrou.
Um soldado americano colocou uma bandeira dos EUA no rosto de Saddam. Eu arranquei e pus uma bandeira do Iraque.
A estátua finalmente caiu quando um guindaste foi trazido e continuou sendo destruída, no chão, por centenas de pessoas. Realizei meu sonho e, na hora, fiquei muito grato aos americanos. Hoje estou arrependido.
Achei que os EUA haviam chegado para nos libertar, mas passei a odiá-los quando os ouvi dizendo que queriam ocupar o Iraque.
E os governos que vieram depois de Saddam foram todos piores que ele. Eles fracassaram em tudo. Nossa infraestrutura é pavorosa.
Os preços dispararam, e há gente que morre de fome enquanto a turma do governo desvia bilhões de dólares da venda do petróleo. Eu disse bilhões de dólares.
No tempo de Saddam havia sanções econômicas, mas a vida era tão mais barata, da gasolina à comida.
Pior mesmo é a incapacidade de prover segurança.
Passamos séculos sem nos importar com quem era xiita, sunita, curdo ou cristão e agora, por causa deste governo, a violência sectária não para de aumentar. Sou xiita, como o governo, mas e daí? Qualquer um, até mesmo um judeu, seria melhor para o país do que esta gente.
Na época do Saddam, tínhamos um ditador. Hoje temos cem. Saddam provia segurança à população. Ele era um criminoso e um líder cruel, mas quem não se envolvia com política vivia em paz e em liberdade.
Torço para que os rebeldes [do Estado Islâmico no Iraque e no Levante] cheguem a Bagdá. Não apoio especialmente o grupo, mas estou do lado de quem quiser derrubar o governo. Se eu pudesse, eu mesmo colocaria aquela estátua de volta ao lugar e bateria continência.
Da Folha de S. Paulo