Itália anuncia reforma trabalhista que facilita as demissões no país

O governo do primeiro-ministro Mario Monti anunciou uma grande reforma das leis trabalhistas da Itália, uma medida polêmica entre os italianos, mas que é fundamental para a ressurreição econômica que o país prometeu para o Banco Central Europeu (BCE) no ano passado, quando foi tragado pela crise de dívida do continente. 

As medidas, detalhadas durante uma longa reunião ontem entre ministros, sindicatos trabalhistas e líderes empresariais, têm por objetivo: incluir milhões de jovens italianos no mercado de trabalho; ajudar as combalidas empresas do país a lidar com crises na economia cortando empregos; mas também criar uma rede de amparo mais ampla para desempregados. 

A reforma ainda precisa passar pelo Parlamento, um processo que Monti prometeu completar até o fim do mês. E outros obstáculos continuam. A maior central sindical da Itália – a CGIL – não deu seu aval a uma parte fundamental da reforma, levantando o espectro de um possível conflito trabalhista. O lobby empresarial também disse que não estava totalmente satisfeito, implicando que pode haver mais negociações à frente. 

Se o Parlamento nos apoiar, vamos conseguir dizer que o mercado trabalhista da Itália se modernizou, e que não há mais barreiras para o investimento estrangeiro, disse Monti em entrevista coletiva, dias antes de liderar uma viagem para a Ásia, em parte para falar com investidores estrangeiros. 

Reformar o ineficiente mercado trabalhista da Itália há muito é visto como um desafio fundamental para o governo tecnocrata de Monti, que tenta reverter anos de estagnação econômica na terceira maior economia da zona do euro. 

O presidente do BCE, Mario Draghi – tanto em seu cargo atual como antes, como presidente do BC italiano – há muito defende um reequilíbrio do mercado trabalhista do país para o tornar menos pesado para as empresas, mas também mais inclusivo, particularmente para jovens e mulheres. 

Só 57% dos italianos em idade de trabalho têm emprego, enquanto dois milhões estão desempregados. A taxa de desemprego para pessoas entre 15 e 24 anos está em 31,1%, comparada com 7,8% na Alemanha, segundo a agência europeia de estatísticas Eurostat. 

Ao mesmo tempo, apesar da reputação de ter um sistema de bem-estar social generoso, a Itália tem um dos mais baixos níveis de seguro-desemprego na Europa, destinando cerca de 3,1% do Produto Interno Bruto a esse tipo de serviços, enquanto a Alemanha gasta 4,1%, e a Dinamarca e a Bélgica, 8%, segundo dados de 2010 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

A medida mais polêmica revelada ontem visa a reformar a lei trabalhista de 40 anos da Itália, que diz, entre outras coisas, que trabalhadores dispensados – por qualquer razão – podem recorrer à Justiça, e os juízes podem forçar empresas a recontratá-los se a demissão tiver sido sem justa causa. 

O sistema, na prática, criou um mercado de trabalho de dois níveis, com trabalhadores mais velhos estáveis em seus empregos e os mais novos ficando em vagas temporárias, precárias, que são mais fáceis de cortar em tempos difíceis. A cláusula também mergulhou as decisões trabalhistas em batalhas judiciais que duram anos nas lentas cortes italianas. 

As medidas propostas permitiriam às empresas demitir por motivos econômicos, mas em troca o trabalhador receberia compensação em dinheiro de até 27 meses de salário, disse a ministra italiana do Bem-Estar, Elsa Fornero, durante a coletiva. Recontratação automática só aconteceria em casos de discriminação comprovada. 

Stefano Scarpetta, diretor de análises de emprego da OCDE, disse que pagamento imediato de compensação deve ser um alívio tanto para empresas quanto para empregados porque remove a incerteza de anos de custosas batalhas legais que geralmente acontecem quando empresas têm de enxugar. Na Espanha, disse ele, as empresas preferem pagar uma indenização ao empregado – geralmente, 45 dias de salário por ano trabalhado – a correrem o risco de entrar num tal pesadelo jurídico. 

Mas Emma Marcegaglia, que lidera a Confindustria, o principal entidade de empresas, disse que a compensação de 27 meses é um custo alto demais para as empresas e deveria ser revisado.

Também poderia haver efeitos colaterais para trabalhadores mais velhos, disse Antonio Bruzzone, gerente sênior da Fiera di Roma, organizadora de feiras setoriais. Sem dúvida, eu gostaria de demitir trabalhadores mais velhos, aqueles acima de 55, para manter os mais novos, que eu entendo que têm um desempenho duas vezes melhor, disse Bruzzone. 

As empresas continuariam podendo contratar pessoas por prazos curtos, mas esses contratos seriam mais caros – elevando os custos da companhia em cerca de 1,4%, disse Fornero. As empresas também seriam encorajadas a oferecer programas de treinamento para jovens, ajudando-os a prepará-los para empregos futuros. 

Outro pilar da reforma trabalhista é inspirado nos modelos holandês e escandinavo, que dão às empresas mais flexibilidade para administrar sua força de trabalho, mas asseguram aos trabalhadores mais instrumentos de segurança quando estão desempregados. A reforma criaria um seguro-desemprego universal, em vez do atual, que só se aplica para trabalhadores em contratos com estabilidade de emprego e do setor industrial. 

Trabalhadores com menos de 54 anos que perderem o emprego receberão um ano de seguro-desemprego, no valor de até € 1.119 por mês, disse Fornero. O custo total do novo fundo de seguro é de € 1,8 bilhão. Essa parte da reforma trás a Itália para mais perto de outros países europeus e introduz um equilíbrio melhor entre flexibilidade e proteção ao trabalhador, diz Scarpetta, da OCDE. 

Mas a presidente da CGIL prometeu guerra: Faremos o que for preciso para combater essa reforma, disse Susanna Camusso. “Vamos mobilizar conforme necessário e não vai ser breve.”

Do Valor Econômico