Juros extorsivos da dívida pública impedem retomada da economia e prejudica o povo

De acordo com ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende, juro da dívida pública é chantagem dos bancos ao governo. “País deveria fazer auditoria e forçar os bancos a diminuírem suas margens”, diz

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A crise econômica agravada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), poderia ter sido evitada em grande parte se o governo brasileiro fizesse uma auditoria na dívida pública do país para ter uma dimensão de quanto já pagou aos bancos e, consequentemente, parar de pagar juros extorsivos exigidos pelo mercado financeiro.

O recado é do ex-ministro da Ciência e Tecnologia, no governo Lula, o físico Sérgio Rezende, atualmente professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e voluntário do Conselho Científico do Consórcio Nordeste, de combate à Covid-19.

Rezende, que faz questão de ressaltar que não é economista, mas que tem anos de experiência em gestão pública (foi ministro de 2005 a 2010 e nas décadas de 1980/1990 atuou no governo de Miguel Arraes, em Pernambuco), diz que é uma chantagem dos bancos brasileiros os juros cobrados por títulos públicos.

“A dívida brasileira é extorsiva e merecia ser auditada pelo Congresso Nacional. Basta pedir ao Banco Central que tem tudo detalhado. No Equador, após uma auditoria de economistas, o país conseguiu abater 70% do seu valor”, afirma Rezende.

Segundo ele, quem sofre com uma dívida pública alta é a população que fica impedida de receber um auxílio emergencial decente, de pelo menos um salário mínimo (R$ 1.100), que vê o sistema de saúde sem dinheiro para combater a pandemia, que não tem melhorias na educação, obras de saneamento e de infraestrutura que melhorem as condições de vida e, muito menos certeza de um futuro seguro, com emprego e moradia, mesmo que a tragédia sanitária chegue ao fim. Tudo por que o governo precisa pagar os bancos e não sobra dinheiro para fazer novos investimentos e retomar a economia e, consequentemente a volta dos empregos.

Rezende acusa o mercado financeiro brasileiro de ser em boa parte responsável pela falta de recursos para investimentos que melhorem a qualidade de vida da população. Segundo ele, são os bancos nacionais que impõem o valor dos juros a serem pagos.

Os bancos internacionais praticamente não têm títulos da dívida pública brasileira porque, segundo Rezende, o ex-presidente Lula pagou a dívida externa, mas como seu governo ainda precisava de credibilidade do mercado financeiro para implantar um governo voltado ao social, e o país passava por um período econômico de crescimento e distribuição de renda, Lula não mexeu nos juros pagos aos bancos.

O ex-ministro diz que foi Dilma Rousseff que decidiu diminuir os juros pagos aos bancos. Ela forçou baixar de 12% para 7% ao ano e, em seguida veio o golpe de 2016.

“Dilma é uma mulher muito forte e decidida, mas o mercado financeiro não aceitou ganhar menos e o resultado foi o impeachment”, afirma Sérgio Rezende.

 O que é Dívida Pública

Em qualquer país do mundo quando o governo federal, ou estadual, está sem recursos para tocar seus programas, ele vende títulos públicos, de valor monetário. O sistema financeiro compra aquele título, e fica com ele por um determinado período. Normalmente é de cinco a 30 anos. Enquanto não resgata todo o seu valor, o governo vai pagando juros sobre ele.

Funciona mais ou menos como um empréstimo bancário. A diferença é que quanto menos tempo o governo diz que vai pagar mais alto é o valor do juro, e tudo isso tem a ver com credibilidade.

“Quando um governo não tem credibilidade no mercado financeiro de que vai honrar seus pagamentos, os bancos reduzem o prazo de recebimento pelo título público e ainda cobram mais juros por ele. Os Estados Unidos têm prazo de resgate de 30 anos por que têm credibilidade. O prazo no Brasil é de em média cinco, dez anos. É uma exigência dos bancos”, explica Rezende.

O ex-ministro, no entanto, ressalta que o governo brasileiro nunca deixou de pagar suas dívidas, por isso que chama de chantagem dos bancos a desconfiança de que não vão receber pelo resgate do título público.

Em termos de comparação da dívida com o percentual do Produto Interno Bruto (PIB), os EUA têm uma dívida pública acima dos US$ 27 trilhões, representando cerca de 130% do seu PIB. Ainda assim, a credibilidade do governo norte-americano no mercado financeiro não o obriga a pagar juros como aqui. No Japão, a dívida pública chega a 200% do PIB.

No Brasil, a dívida pública (dados de fevereiro deste ano) fechou em R$ 6,744 trilhões, 90% do PIB – o maior índice da série histórica iniciada em 2006. Hoje a maior parte dos títulos emitidos no Brasil pelo Tesouro Nacional remunera os investidores com base na Selic e na variação do índice oficial de inflação (IPCA). Do estoque total de R$ 5,198 trilhões em papéis nas mãos dos investidores no fim de fevereiro deste ano, quase 35% eram corrigidos pela Selic e outros 26% pela inflação.

A evolução da dívida pública brasileira

A dívida pública começou com o Plano Real e ganhou força a partir de 1997. No final do governo FHC, em setembro de 2002, atingiu 59,5% do PIB.

Em 2005, Lula liquidou a dívida contraída por FHC junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Entre o final de 2002 e o de 2013, nos governos Lula e Dilma, a dívida líquida caiu quase que pela metade, atingindo aproximadamente 30% do PIB em dezembro de 2013.

Em 2016, com o golpe contra Dilma em andamento, foram adiadas medidas de estabilização econômica, e a recessão aumentou.

O golpista Michel Temer terminou seu mandato presidencial em 2018, com dívida líquida de 52,8% do PIB.

Já no governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), desacelerou – o aumento da dívida de 2,2% do PIB. Mas, com a pandemia, já em agosto de 2020, a dívida líquida subiu quase 5% do PIB.

Os dados do endividamento público estão de acordo com informações publicadas em artigo do ex-ministro do Planejamento e Fazenda do governo Dilma, Nelson Barbosa.

Para ele, “do ponto de vista econômico, a crise atual não é uma ‘gripezinha’ e, dado que o Brasil levou bastante tempo para se recuperar do aumento de dívida pública que financiou o Plano Real, tudo indica que a saída do alto endividamento de hoje deve durar, pelo menos, uma década”.

Da CUT Nacional