Justiça condena patrões ao regime semiaberto e pagamento de R$ 350 mil a doméstica
Mulher trabalhou por 13 anos em situação análoga à escravidão, sem direitos, numa casa de bairro nobre de São Paulo. Ex-patrões foram condenados a indenizações e prisão em semiaberto
Uma trabalhadora doméstica em situação análoga à escravidão foi resgatada de uma casa na região do Alto de Pinheiros, área nobre da capital paulista, em junho de 2020, durante operação do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Civil. Quase dois anos depois, os desembargadores da 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) determinaram que ex-patrões paguem a ela R$ 350 mil de indenização por danos morais, além de outros direitos.
Já a Justiça Federal condenou os três ex-patrões (mãe, filha e o marido desta) a dois anos e oito meses em regime semiaberto, com base no artigo 149 do Código Penal. Eles ainda podem recorrer.
Para o juiz Silvio César Arouck Gemaque, da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo, a vítima foi tratada “como objeto, não como pessoa humana, na medida em que não recebeu as mínimas condições condizentes.”
“Os réus aproveitaram-se do fato de a vítima ser uma pessoa simples, como ficou evidenciado, para obterem vantagem em detrimento de um semelhante”, escreveu na sentença de janeiro de 2022, que condenou os três ex-patrões.
Mais direitos a receber
A Justiça também determinou o pagamento dos direitos de trabalhadores domésticos formais, como contribuição previdenciária e Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS) e mandou assinar a carteira.
Os ex-patrões também foram condenados a pagar R$ 300 mil por danos morais coletivos, dinheiro que deve ser recolhido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Somado à indenização para a empregada doméstica, os réus devem pagar um montante total de ao menos R$ 650 mil.
A descoberta do crime
As equipes do MPT e da Polícia Civil foram ao local depois de receber uma denúncia anônima feita por meio do Disque-100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Segundo apuração do MPT, na época do resgate, a mulher começou a trabalhar com a família em 1998 e permaneceu por 13 anos sem registro formal em carteira. Sem direito, portanto, a férias ou 13º salário.
A partir de 2011, ela foi morar em uma casa de uma outra pessoa da família, pois o imóvel em que vivia desabou. Continuou trabalhando como empregada, mas deixou de receber salário. Ela havia se mudado em 2017 para a casa de onde foi resgatada.
Lá, ela vivia em um quarto nos fundos do terreno, que funcionava como uma espécie de depósito, com cadeiras, estantes e caixas amontoadas. Um sofá velho era usado como cama e não havia banheiro.
O que disseram os ex-patrões
Em depoimentos, os três ex-patrões disseram que a doméstica trabalhava também para outras pessoas na vizinhança e defenderam que não havia vínculo de trabalho, mas não conseguiram comprovar que a mulher era apenas uma diarista, sem vínculo de longo prazo com a família, nem mesmo que ela era autônoma.
Esse foi o entendimento do juiz federal Jorge Eduardo Assad, relator do caso na 12ª Turma. Ele considerou que o depoimento da antiga empregada tornou a situação dos ex-patrões ainda mais grave. Ela teria dito que eles “não lhe batiam, eram amigos e a ajudavam”, relatou reportagem da Folha de S Paulo que teve acesso ao processo.
“Veja-se que, não estamos falando de uma situação normal de trabalho, mas de uma forma de submissão da pessoa ao talante [vontade] de outras que a explora, negando-lhes a condição de empregada e até de ser humano, na medida em que, as submete a uma condição definida por lei como análoga à de escravo”, escreveu no relatório.
Para a Justiça, a família admite que havia prestação de serviço somente entre 1998 e 2011 e somente como diarista. O depósito, a que eles chamam de edícula na ação, seria usado apenas eventualmente pela mulher para dormir. Segundo eles, ela não morava lá.
Para o juiz relator do caso, o histórico das relações entre a doméstica e a família foi se deteriorando ao longo dos anos. “Chegando a extremos, não apenas pelo pagamento de salário muito inferior ao mínimo, mas envolvendo a liberdade da obreira”, afirmou.
Da CUT.