´Layoff´ e PSE retornam como alternativas para manter emprego

Leia a íntegra da entrevista exclusiva concedida pelo presidente do Sindicato, Wagner Santana, sobre as ferramentas usadas durante a última crise do setor automotivo e que podem ser utilizadas durante esta pandemia do novo coronavírus.

Leia a íntegra da entrevista exclusiva concedida pelo presidente do Sindicato, Wagner Santana, sobre as ferramentas usadas durante a última crise do setor automotivo e que podem ser utilizadas durante esta pandemia do novo coronavírus.

Medidas foram amplamente usadas durante a última crise pelo setor automotivo

Por Marli Olmos

A indústria automobilística começa a buscar alternativas para manter os funcionários afastados quando o período de férias coletivas terminar, entre meados e fim de abril. A General Motors começou ontem a negociar com os sindicatos a adoção do “layoff”. Essa alternativa, que prevê a suspensão temporária dos contratos de trabalho, foi muito usada pelas montadoras durante a crise de 2016, assim como o PSE (Programa Seguro Emprego), um programa que permitia reduzir jornada e salário. Mas, segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, muitas dessas ferramentas, que podem salvar empregos, precisam ser ajustadas e regulamentadas pelo governo.

A GM pretende adotar o “layoff” nas quatro fábricas – São Caetano do Sul (SP), São José dos Campos (SP), Gravataí (RS) e Joinville (SC), além do campo de provas e centros logísticos. A empresa não informa o número de empregados no Brasil, onde trabalha a maioria dos 19 mil que a companhia emprega em toda a América do Sul. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, a empresa pretende reduzir os salários em até 25%. A montadora não revelou detalhes da proposta. Em nota, informou que essas são “medidas emergenciais e temporárias” num momento em que toma medidas para proteger a saúde dos empregados e “alternativas para garantir a saúde do negócio”.

O “layoff” permite usar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para compor uma parte do salário do empregado afastado. A outra parte depende do que os sindicatos conseguem negociar com a empresa. No período de 2015 a 2017, quando a indústria automobilística recorreu a essa alternativa, a maior parte das empresas concedeu valores muito próximos ou até mesmo iguais ao salário do trabalhador.

Com a criação do PSE, antigo PPE, as empresas passaram a usar essa ferramenta com mais frequência. O PSE permitia reduzir a jornada com o equivalente de redução de salários. A vantagem dessa alternativa na época era poder manter os empregados na fábrica, com jornada reduzida. A maioria trabalhava quatro dias por semana. Isso foi usado durante muitos meses. Mas, segundo Santana, com a mudança de governo, o PSE perdeu as características originais e precisaria ser revisto.

Também no caso do “layoff” o sindicalista recomenda uma revisão. Nesse tipo de suspensão dos contratos, o trabalhador ficava afastado da fábrica, recebendo salário. Mas, em contrapartida, tinha que frequentar cursos de formação organizados pelos sindicatos. “Com a necessidade de isolamento, imposta pelo novo coronavírus, seria necessário criar uma plataforma digital para ensino à distância. Mas os sindicatos não têm como organizar essa solução”, destaca Santana.

Durante a última crise, somente na base dos metalúrgicos do ABC, mais de 25 mil foram envolvidos no PSE ou “layoff”. Alguns chegaram a ficar até cinco meses afastados do trabalho. Com mais fôlego que empresas menores, a indústria automobilística costuma recorrer a alternativas assim para não perder mão de obra especializada.

A possibilidade de interromper a produção sem demissões foi, também, resultado das negociações de flexibilização dos contratos do trabalho, que começaram no ABC em 2011. A Volkswagen foi uma das primeiras a negociar com os trabalhadores contratos mais flexíveis e redução de benefícios em troca da promessa de investimentos nas fábricas onde era fechado o entendimento.

Para Santana, as alternativas usadas “salvaram muitos empregos”. Mesmo assim, a base metalúrgica do Sindicato do ABC tem encolhido. O número de postos caiu de 119 mil em 2011 para 68 mil hoje. A maior parte das demissões ocorreu entre 2013 e 2016. Outro recurso muito usado no ABC em situações de crise é o chamado banco de horas. A empresa contabiliza o “estoque” de horas não trabalhadas.

Quando o ritmo de produção volta a crescer os operários repõem essas horas, por meio de trabalho extra. Mas, segundo Santana, na base do ABC, o saldo dos bancos está negativo. Ou seja, em geral, os metalúrgicos das montadoras não conseguiram, ainda, repor todo o trabalho que devem. “Esse vírus não nos pegou numa situação confortável, pois ainda estávamos num processo de retomada que já dura quase quatro anos”, destaca Santana.

Preocupa o sindicalista as informações que ele tem recebido das pequenas e médias empresas, que lhe dizem não ter fôlego para sequer cumprir com a folha de pagamentos. “Eles reclamam da falta de capital de giro”, destaca. Para o dirigente, o pior do quadro atual, em comparação com crises anteriores, é a incerteza de quanto tempo vai durar. Com a necessidade de isolamento, as antigas assembleias, com sindicalistas ao microfone em carros de som, foram substituídas por vídeos informativos. Santana não se lembra da última vez em que todas as fábricas pararam de uma vez, exceto nos tempos das famosas greves do ABC.

Os sindicatos da região estão acostumados a negociar e, junto com as empresas, já encontraram muitas soluções criativas para não fechar vagas. Além disso, os metalúrgicos também estão habituados a ficar longos períodos longe das máquinas e esperar o tempo da bonança para voltar para as fábricas. A diferença, em relação às últimas crises, é que desta vez um vírus os obriga a literalmente ficar dentro de casa.

***Matéria publicada pelo jornal Valor Econômico