Libertações de trabalhadores no Sul e Sudeste aumentam com mais fiscalização
O aumento das libertações no Sul e Sudeste do País nos últimos anos vem chamando a atenção nos balanços mais recentes do Ministério do Trabalho e Emprego e da Comissão Pastoral da Terra
Auditores fiscais libertaram 32 pessoas – incluindo uma mulher e três adolescentes – de trabalho escravo de duas propriedades (Fazenda São Roque e Fazenda Butiá) em Calmon (SC), no interior do Estado, a cerca de 400 km da capital Florianópolis (SC). A ação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Santa Catarina (SRTE/SC) se deu no fim de agosto em duas fazendas de extração de erva mate e contribuiu para aumentar o número de pessoas libertadas na Região Sul em 2009.
O aumento das libertações no Sul e Sudeste do País nos últimos anos vem chamando a atenção nos balanços mais recentes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Para além da constatação de que o trabalho escravo também vem sendo explorado em regiões mais ricas e em culturas com maior suporte econômico (como a cana-de-açúcar), uma das explicações centrais está no reforço da fiscalização por meio da atuação intensificada dos auditores fiscais do trabalho.
Em julho de 2008, uma equipe especial do grupo móvel de fiscalização e combate ao trabalho escravo foi criada para atender somente a demanda da Região Sul. “A Secretaria de Inspeção do Trabalho [SIT, do MTE] observou que era necessário um grupo para atender a demanda que havia na região. E mais, que pudesse conhecer as peculiaridades locais”, explica Luize Surkamp Neves, coordenadora do grupo especial. Dados compilados pela CPT mostram que, em 2006 e 2007, a porcentagem de libertações na Região Sul foram de 2,9% e 3,8%, respectivamente. Em 2008 e 2009 (até outubro), este índice saltou, também de modo respectivo, para 10% e 6,4%.
A Região Sul, comenta Luize, era “subestimada” em relação ao trabalho escravo. Diferentemente do que ocorre nas Regiões Norte e Nordeste, não há muitas denúncias por parte dos trabalhadores. Segundo ela, o combate ao crime no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul têm caracteríticas próprias “que exigem um prévio conhecimento de quem irá fiscalizar”. O cultivo de erva-mate e as plantações de pinus e eucalipto estão entre as atividades que mais utilizam mão-de-obra escrava. O grupo móvel do Sul realiza, em média, uma ação por mês. Se houver demanda, coordenadores do grupo móvel nacional também contribuem nas opeações na região.
Paralelamente, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Paraná (SRTE/PR) instalou um novo grupo de fiscalização rural no início de abril deste ano. Já na primeira fiscalização, a equipe libertou um grupo de 21 pessoas de trabalho análogo à escravidão no corte de pinus. Somente em 2008 e 2009 (até outubro), 542 foram libertadas no Estado.
Sudeste
Grandes libertações no setor sucroalcooleiro elevaram também os dados na Região Sudeste. De acordo com dados da CPT referentes a 2009 (até outubro), a porcentagem de libertações na Região Sudeste (1.169) alcançou 36%. Em 2008, este mesmo índice foi de 10,5% (555 libertações). Nos dois anos anteriores, 2007 e 2006, esta proporção foi ainda menor: 9,3% e 7,2%.
Numa das fiscalizações no cultivo de cana-de-açúcar no Rio de Janeiro, mais de 280 pessoas – entre elas quatro adolescentes (três com 16 anos e um com apenas 13) e 22 mulheres – foram libertadas de área do Grupo José Pessoa (Usina Santa Cruz). Em menos de dois anos, o grupo se envolveu em três flagrantes de trabalho escravo. A ação ocorreu em junho de 2009.
Apenas na operação da Fazenda Bela Vista – do ex-ministro da Agricultura, Antonio Cabrera -, outro contingente de 184 trabalhadores foi libertado de escravidão em plantações de cana para o empreendimento Cabrera Central Energética Açúcar e Álcool, que conta com suporte da norte-americana Archer Daniels Midland (ADM), para produção de etanol.
Também em Minas Gerais a fiscalização de combate ao trabalho escravo foi intensificada. A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE/MG) criou, em 2007, o Grupo Integrado de Apoio ao Trabalhador (Giat) para auxiliar as Gerências Regionais em fiscalizações mais complexas, como de trabalho escravo. São aquelas ações “que as Gerências não conseguem realizar por causa do pequeno número de auditores fiscais”, complementa Flávio Ferreira Pena, auditor e um dos coordenadores do Giat.
O Giat forma um grupo na SRTE/MG com um coordenador e um sub-coordenador com experiência específica no tipo de fiscalização programada. “Cabe ao coordenador a escolha do restante do grupo que será formado de acordo com o tipo de fiscalização que será efetuada”, detalha Flávio.
Condições
Os descontos de alimentação dos salários dos libertados em Calmon (SC) era acima do permitido pela lei. “Os trabalhadores recebiam mantimentos que eram levados para o alojamento e os valores dos produtos eram descontados dos salários, pagos quinzenalmente, em espécie”, relata José Márcio Barreto Vieira Brandão, auditor que coordenou a ação.
Na Fazenda São Roque, foram libertadas 25 pessoas, incluindo uma mulher e dois adolescentes. O proprietário já tinha sido autuado por submeter trabalhadores à escravidão em outra fazenda de cultivo de pinus. As vítimas foram aliciadas em General Carneiro (PR) e Porto Vitória (PR). A propriedade tem aproximadamente 4 mil hectares.
Os trabalhadores estavam em quatro casas na área urbana. “Não havia camas, armários, local para refeição ou mesmo para guardar os alimentos”, explica José Márcio. O empregador não fornecia água potável. As famílias estavam alojadas junto com os demais empregados, inclusive com crianças. “Numa das casas, um quarto foi improvisado na garagem com o uso de lona plástica preta. Em ambas as condições de higiene eram precárias”, relata Roberto Cláudio Lodetti, auditor fiscal que acompanhou a ação.
Já na fazenda Butiá, sete trabalhadores eram submetidos à condições semelhantes à escravidão. Um deles era adolescente. As vítimas foram aliciadas principalmente em Ponte Serrada (SC). A propriedade tem aproximadamente 1 mil hectares. “O alojamento da Fazenda Butiá não dispunha de camas, de roupas de cama, de armários, de cozinha, de local para refeição, armários para guardar e conservar os alimentos”, detalha Roberto. Não havia instalações sanitárias nem água potável para consumo.
Os empregados não tinham equipamentos de proteção individual (EPIs) e eram obrigados a utilizar seus próprios instrumentos de trabalho. A alimentação era preparada pelos próprios trabalhadores, em chapas improvisadas ou pequenos fogões trazidos por eles mesmos.
Os proprietários das fazendas pagaram as verbas rescisórias e também arcaram com as despesas de transporte dos trabalhadores às suas cidades de origem. O procurador do trabalho Guilherme Kirtschig, do Ofício de Joaçaba (SC), determinou o pagamento de indenização por dano moral individual no valor de R$ 1 mil para os trabalhadores rurais submetidos à escravidão na Fazenda Butiá e de R$ 4 mil para os empregados da Fazenda São Roque.
Do Repórter Brasil