Lula diz que ascensão dos pobres incomoda elite brasileira

Lula diz que nenhum outro programa do governo teve um impacto tão grande como o Bolsa Família

Ex-presidente chamou de hipócritas os críticos do programa que o taxaram de ´bolsa esmola´, quando lançado, em 2003

Em ritmo de emoção, com apresentação de ator global Paulo Betti, orquestra de uma comunidade pobre do Recife (PE), depoimentos de mães que tiveram sua renda familiar e vida melhoradas e vídeos sobre os efeitos dos benefícios nos locais mais longínquos do país o governo comemora hoje (30), desde as 11h, os 10 anos de criação do Programa Bolsa Família. Os vários eventos, que serão realizados ao longo do dia, tiveram início durante solenidade oficial com a presença da presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, autoridades diversas do governo, ministros e parlamentares. Terminada há pouco, a solenidade apresentou, como ponto forte, os indicadores que mudaram as políticas sociais brasileiras.

Lula da Silva disse que a ascensão econômica da chamada classe C incomoda a elite brasileira. Ele afirmou que em um país com um histórico marcado pela exclusão social era de se esperare “dúvidas e prejulgamentos” em relação a programas sociais de inclusão, como é o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal. As afirmações foram feitas no Palácio do Planalto, durante cerimônia de comemoração dos dez anos da implementação do programa.

“Sei que incomoda muita gente este programa, porque os pobres estão evoluindo em Pernambuco, na Bahia, em Sergipe…. estão usando uns maiôs que só parte da sociedade usava. Agora a empregada chega para trabalhar usando o mesmo perfume que a patroa, o jardineiro usa o mesmo carro que o patrão, quando chega no aeroporto está tudo abarrotado de gente. É como perder namorado.”

Lula começou seu discurso relembrando muitas das críticas que jornalistas, especialistas e até parlamentares fizeram quando seu governo implementou o programa, em 2003. A partir dos resultados apresentados pela ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, de que o programa já tirou 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza, Lula disse que os críticos são verdadeiros “hipócritas” em suas declarações.

“Um programa que já atende a quase 14 milhões de famílias é tratado por alguns hipócritas como se fosse uma corrupção ou fraude sem o menor respeito. Chegaram a dizer que era bolsa-esmola, que formava mendigos, que era uma tragédia social, fácil de entrar mas difícil de sair. Gostaria que hoje estes críticos assistissem a apresentação feita pela ministra Tereza Campello.”

Segundo o ex-presidente, nenhum outro programa do governo, na história do país, teve o impacto na mudança de mentalidade do país como o Bolsa Família. “Vivíamos em um país para ricos e para a classe média, enquanto o resto vivia em uma não-pátria, desconhecia seus direitos e sua humanidade. O programa integrou ao Brasil as pessoas marginalizadas do processo econômico, mas apartadas principalmente dos processos sociais.”

Lula contou ainda que dez anos atrás, quando estava lançando o programa, numa visita que fez aos Estados Unidos conversou com o então presidente norte-americano George W Bush sobre o programa. Na época, Bush estava iniciando a guerra do Iraque e ele ponderou que enquanto os norte-americanos se preparavam para lutar contra o Iraque, os brasileiros precisavam “lutar contra a fome”. “Hoje sabemos que, além das perdas humanas, a guerra do Iraq1ue consumiu US$ 3 trilhões. Com esse dinheiro seria possível a implantação de programas de transferência de renda para 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo”, assegurou o ex-presidente.

Por fim, Lula fez um pedido aos ministros da Fazenda e do Planejamento, Guido Mantega e Miriam Belchior. “Parem de regatear dinheiro para os pobres, ministra Miriam, ministro Mantega.”

Ferramenta social

“Dizemos e podemos provar que o Bolsa Família não é esmola, não é caridade e sim um serviço de tecnologia social para distribuição de renda e combate às desigualdades”, acentuou em seguida a presidenta Dilma Rousseff, que também chamou a atenção para o fato do programa melhorar a questão do empoderamento feminino, dando força às mulheres a não serem mais oprimidas por situações como violência doméstica dos companheiros.

“Com o Bolsa Família aprendemos que colocar dinheiro nas mãos de poucos pode, sim, incrementar financiamentos para o país e gerar riqueza”, disse Lula. Num dos depoimentos mais emocionados, o presidente falou sobre as críticas recebidas por jornalistas, políticos e acadêmicos em relação ao programa no início da sua implantação e lembrou da sua própria vida e das dificuldades que sofreu ao lado da família no período em que migrou de Pernambuco para São Paulo. “Passamos 13 dias num Pau de Arara comendo farinha. A miséria é muito feia e sei disso”, enfatizou.

Melhor alimentação

O Bolsa Família tem desempenhado um papel significativo na redução da mortalidade infantil nos municípios brasileiros, inclusive por causas relacionadas à pobreza, como a desnutrição e a diarreia. A conclusão é da pesquisa brasileira Efeitos de programa de transferência de renda condicionada na mortalidade infantil nos municípios, publicada recentemente na revista médica britânica The Lancet, referência em diagnósticos e pareceres da área em todo mundo e uma das mais prestigiadas atualmente, e também no Relatório 2013 da Organização Mundial da Saúde.

Os pesquisadores, vinculados à Universidade Federal da Bahia (UFB), descobriram que nos municípios onde houve alta cobertura do Bolsa Família (em termos de população municipal) e que tiveram assegurados os benefícios a toda a população pobre elegível pelo menos nos últimos quatro anos houve redução de 17% da mortalidade em menores de 5 anos, e de 53% e 65% na mortalidade infantil por diarreia e desnutrição, respectivamente.

Para o pesquisador David Rasella, professor da Universidade Federal da Bahia, a explicação do fato de um recurso aparentemente pequeno fazer grande diferença está na chamada relação curvilínea entre morbi-mortalidade (o impacto das doenças e das mortes na sociedade) e renda. Ou seja, em famílias extremamente pobres uma pequena quantia pode permitir a saída (ou pelo menos melhora) da condição de extrema vulnerabilidade em termos socioeconômicos e de saúde. “Trezentos reais dados a uma família que tem oito integrantes e uma renda per capita de 100 reais tem um efeito muito maior sobre a saúde das crianças do que 300 reais dados a uma família que tem os mesmos oito membros, mas uma renda per capita de 500 reais”, disse.

História

As primeiras mudanças apresentadas – que constam de um livro a ser lançado no meio desta tarde, produzido em parceria entre o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), foram o reflexo do bom efeito do programa desde o seu lançamento. Os dados mostram que os  R$ 24 milhões que são investidos no programa representam 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, portanto insignificante para atrapalhar qualquer outro tipo de investimento.

No viés educacional, além de ter aumentado significativamente o número de crianças na escola, o dado que mais chamou a atenção dos cientistas sociais a analisar a situação das famílias beneficiadas foi o de que, além de irem à escola, estes alunos agora apresentam boa frequência e se preparam para adotarem caminhos profissionais que passam por universidades. Hoje, 15 milhões de alunos são monitorados mensalmente pelo Ministério da Educação, o que levou à redução da desigualdade educacional entre famílias que estavam na situação mais carente da população e as demais famílias, de 31% em 2002, para o 18% em 2012.

Em relação ao impacto sobre a pobreza extrema, os dados levantados pelo Ipea mostram que, hoje, mais de 9 milhões de famílias são incluídas no cadastro único do programa, mas esse número já chegou a 13 milhões de famílias.

“Sobre o Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria, construído em cima desse primeiro programa, conseguimos incluir 22 milhões de pessoas no critério de renda (ou seja, entre os que percebem a partir de R$ 70 mensais). Significa dizer que o programa foi responsável por manter 36 milhões de brasileiros como renda acima de R$ 70 mensais. Isso levou à redução da extrema pobreza no país, que nos últimos dez anos chegou a 89% juntando o Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria”, afirmou a ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campelo.

Prêmio

No dia 15 deste mês, o governo brasileiro recebeu o Award for Outstanding Achievement in Social Security, prêmio da Associação Internacional de Seguridade Social (Issa), em reconhecimento ao sucesso do Bolsa Família no combate à pobreza e pela promoção dos direitos sociais da população mais vulnerável do país.

 

Da Rede Brasil Atual