Luta pela erradicação do trabalho escravo
Câmara recebe 280 mil assinaturas de apoio à PEC 438 que prevê o confisco de terras de escravagistas
O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), recebeu, na última quarta-feira (26), mais de 280 mil assinaturas do abaixo-assinado de apoio à aprovação imediata do confisco de terras de escravagistas.
A expropriação está prevista na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que permanece estacionada, desde agosto de 2004, à espera de votação em 2o turno no Plenário da Câmara. A proposta já foi aprovada no Senado e passou em 1o turno no próprio Plenário da Câmara.
Na prática, o conteúdo do que prevê a PEC 438/2001 – assinada oficialmente pelo senador Ademir Andrade (PSB-PA), mas na qual está apensada a proposição pioneira no mesmo sentido apresentada pelo deputado federal Paulo Rocha (PT-PA) em 1995 – tramita há exatos 15 anos no Congresso Nacional.
Os ministros Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e Carlos Lupi (Trabalho) estiveram presentes na entrega das centenas de milhares de adesões, bem como senadores – José Nery (PSol-PA) e Eduardo Suplicy (PT-SP) – e deputados federais – Chico Alencar (PSol-RJ), Luciana Genro (PSol-RS) e Paulo Rubem Santiago (PDT-PE). Também acompanharam a referida comitiva os atores Wagner Moura e Sérgio Mamberti, além de representantes de organizações da sociedade civil como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), de Açailândia (MA).
No ato de entrega que fez parte da programação do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, Michel Temer afirmou aos presentes que atuará para colocar a proposta em votação e citará a emenda na próxima reunião do Colégio de Líderes da Câmara, que define a pauta final do pleno. Pediu ainda ajuda da sociedade civil e dos outros parlamentares no convencimento de seus pares. Levantamento realizado pela Repórter Brasil em março deste ano mostrou a escassa disposição, entre os principais líderes da Casa, de aprovar definitivamente a matéria ainda nesta legislatura.
Posição ruralista
O confisco de terras de escravagista para a reforma agrária esteve no centro do debate sobre “O Papel do Congresso Nacional no Combate ao Trabalho Escravo”, realizado na tarde desta quarta-feira (26) como parte do Encontro, no Auditório Juscelino Kubitschek na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Representante da bancada ruralista no Congresso, o deputado federal Moreira Mendes (PPS-RO) repetiu os argumentos do principal grupo parlamentar que se opõe à proposta. Segundo ele, as fiscalizações do grupo móvel e das equipes estaduais utilizam critérios subjetivos para a caracterização do trabalho escravo.
O parlamentar também insistiu na tese de que a expropriação das propriedades de escravagistas contraria o devido processo legal, ferindo o direito de defesa e o princípio do contraditório. Para ele, seria mais adequado punir os responsáveis apenas após decisões de última instância do Poder Judiciário.
Proprietário rural, o parlamentar reproduziu o discurso dos fazendeiros que se deslocaram para as fronteiras de expansão da Amazônia (onde, segundo ele, não havia “nada”) e ajudaram a produzir “riqueza” por meio da agropecuária.
A ameaça à propriedade privada e o risco de reflexos negativos para a produção (e acumulação econômicas) do agronegócio foram repisadas pelo representante ruralista, que lamentou não ter tido tempo para reunir materiais que pudessem sustentar com mais consistência o seu ponto de vista. Moreira disse estar disposto a discutir a questão com profundidade e acusou os apoiadores da emenda constitucional – que exige a concordância de 3/5 do Plenário – de “levar uma coisa pronta” que é objeto de “resistências”.
“Da forma como está, dificilmente a PEC [do Trabalho Escravo] vai para 2º turno”, reafirmou abertamente. Quando a palavra foi franqueada para manifestações dos participantes, o padre espanhol da CPT Josep Iborra Plans, que vive em Rondônia desde 1993, condenou a concentração de terras no estado, sublinhou os impactos socioambientais da pecuária e denunciou o desembaraço de fazendeiros escravagistas com mais de 80 mil cabeças de gado que se orgulham de não assinar a carteira de trabalho de ninguém.
Moreira Mendes contestou dados de concentração fundiária e rebateu padre “Zezinho” com o argumento de que se trata de uma “visão ideológica” contra a “produção de Rondônia”. Depois de afirmar que ser dono de 80 mil bois não é “uma coisa ruim” e de reclamar da estigmatização do produtor rural, buscou desqualificar o interlocutor com a suposição de que se o padre trabalhasse talvez pudesse ter a mesma quantidade de gado. Nesse momento, pessoas da plateia reagiram e, logo em seguida, o deputado ruralista deixou o evento por conta de outros compomissos.
Integrante da mesa de debate sobre as possíveis contribuições do Parlamento, o senador José Nery (PSol-PA) defendeu no evento em Brasília (DF) a objetividade das situações extremas e concretas em que se dão as libertações e lembrou que o próprio mercado tende a rejeitar cada vez mais qualquer ligação de produtos ligados à exploração de mão de obra escrava. “Precisamos instaurar um diálogo sincero, honesto e urgente [sobre o tema no Congresso]”, recomendou.
“Se são poucos os escravagistas, por que não punir essa minoria?”, indagou José Nery, que é presidente tanto da Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo como da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo do Senado Federal. O congressista do Pará condenou veementemente a inexistência de uma “legislação forte e coercitiva” para punir empregadores flagrados cometendo o crime em questão. “Esses escravagistas não podem continuar emporcalhando o nome do país”, emendou.
O senador clamou pela continuidade de coleta de assinaturas em apoio à PEC do Trabalho Escravo – definida por ele como “Segunda Lei Áurea” -, o aumento da pressão sobre as liderenças da Câmara e a continuidade das cobranças relativas ao tema durante o processo eleitoral em cada uma das Unidades da Federação.
Da CUT e Repórter Brasil