Lutas sindicais devem ser politizadas
Para presidente da Federação dos Metalúrgicos do RS, atual aumento das greves não resulta em ampliação de direitos
Mesmo com a espetacularização da cobertura do caso Eloá, no final de outubro, diversas greves e paralisações figuraram nas páginas de jornais de país. Policiais civis estão sem trabalhar há mais de um mês. Cerca de 250 mil bancários pararam por mais de duas semanas, voltando ao serviço no dia 23 após conquistarem aumento real de até 2,66%. Em São Paulo (SP), metalúrgicos fizeram paralisação de um dia durante campanha por reajuste de 20%. Já os funcionários dos Correios ameaçam iniciar a terceira greve deste ano
Fato é que, neste ano, está havendo uma intensificação das lutas sindicais. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), até outubro, já ocorreram, pelo menos, 316 greves em todo o país. Entre 2004 e 2007, a média foi de 300, durante o ano todo. Na entrevista a seguir, Milton Viário, presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, analisa tal conjuntura, apontando os motivos da intensificação das lutas, seus limites e projetando os impactos da crise econômica internacional nas organização e na mobilização sindicais.
Brasil de Fato – O crescimento econômico e o aumento dos empregos formais são mesmo os principais motivos para a elevação das lutas e das conquistas sindicais?
Milton Viário – Eu diria que a diminuição do desemprego é o principal fator. A redução do número de pessoas procurando trabalho nas portas das empresas dá às pessoas muito mais segurança para iniciar um movimento de correção das profundas desigualdades da nossa sociedade. Tivemos, nos últimos 20 anos, uma queda brutal da participação do trabalho na renda nacional. Tínhamos, nos anos 1980, 52% da renda nacional. Hoje, a participação dos trabalhadores é de pouco mais de 36%. Agora, os trabalhadores estão indo em busca dos seus direitos perdidos, principalmente, no que diz respeito à remuneração.
O fato do presidente da República ser o Lula também contribui para aumentar essa segurança dos trabalhadores na hora de se mobilizar?
Acho que são os 8 milhões de empregos criados e o crescimento econômico que geraram essa expectativa. Do restante, a luta é inerente à existência desse conflito de interesses. Os trabalhadores são explorados permanentemente, então, havendo uma condição melhor, eles se movimentam em busca de melhoria das suas condições de vida. Temos notado, nos últimos dois, três anos, um aumento das mobilizações e greves.
O que o trabalhador leva em consideração na hora de decidir a favor ou contra uma paralisação?
A possibilidade de ganhar. Por exemplo, quando vai entrar em greve por um reajuste 5% acima da inflação, o trabalhador se dispõe a parar para buscar esses 5% a mais. Mas existe uma outra coisa, que eu chamaria de subjetiva, resultado de todo esse processo de exploração que os trabalhadores vivem. Aumento do ritmo de trabalho, programas de qualidade e produtividade (os trabalhadores são cobrados a produzir cada vez mais, com os planos e metas que se renovam todos os finais de ano), horas extraordinárias a que os trabalhadores são submetidos, tendo que trabalhar sábado, domingo, à noite, com um ritmo alucinante. Considero que isso também está presente.
Como o senhor avalia o tratamento que a Justiça vem dando às greves? A repressão tem aumentado?
Na mesma medida em que se intensifica a mobilização dos trabalhadores tem se intensificado o aparato repressivo do Estado, por meio da polícia, dos juízes e, às vezes, do Ministério Público. Estes estão à serviço da proteção dos interesses do capital. Como vivemos um momento em que o capitalismo não consegue mais fazer concessões, o que sobra é a repressão. No período do Estado de Bem-Estar Social, os trabalhadores conseguiam obter ganhos econômicos. Agora, na crise que o capitalismo está vivendo, com as empresas buscando recompor suas taxas de lucro e aumentá-las, a tendência é a repressão do Estado se intensificar.
Quais são as principais modalidades dessa repressão?
Por exemplo, o Judiciário decreta a ilegalidade das greves ou o afastamento do sindicato dos locais de trabalho, isto é, impede o exercício do direito. E, então, entra a polícia, que faz a coerção, claramente inibindo a atividade sindical. O que temos notado é que essa violência tem aumentado, porque existe de parte da burguesia uma tentativa de disseminar o medo no meio da população, reprimir com violência todas as manifestações para que ninguém se atreva a fazê-las.
Os avanços obtidos recentemente trouxeram conquistas mais estruturais, como ampliação de direitos?
Nesse momento, são as questões mais imediatas. Mas é momento. A responsabilidade das lideranças é tentar impulsionar esses movimentos para um luta mais política. Primeiro, buscar recuperar os direitos perdidos e, nessa medida, tentar avançar em novas conquistas. Aí está, talvez, a nossa grande debilidade hoje, não ter uma estratégia mais clara para o movimento sindical, uma visão mais político-sindical.
A crise nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que enfraquece a hegemonia do pensamento neoliberal, deve desaquecer a economia e provocar uma elevação do desemprego, revertendo os elementos que impulsionam, hoje, as lutas sindicais. O que esperar dessa nova conjuntura?
O que pode vir a acontecer vai depender muito do tamanho da crise. Mas, por exemplo, numa crise que se acirre e a gente tenha um desaquecimento grande da economia, talvez mude o foco da luta. Ao invés de ganho salarial, teremos a luta contra o desemprego, contra a retirada de direito, uma vez que o capitalismo vai tentar fazer com que os trabalhadores paguem por essa crise com mais reestruturação e exploração do trabalho.
Como impedir isso?
O que precisamos acumular em 2009 é construir um plano de luta, uma jornada de mobilização da classe trabalhadora no Brasil, com unidade entre todos os seguimentos e uma pauta que aponte para os problemas centrais da classe.
Brasil de Fato