Marco Civil e debate sobre governança global põem Brasil em destaque

País se prepara para votar esta semana projeto que regula direitos e deveres em torno da rede; e para sediar, em abril, encontro global sobre futuro da governança de internet

É esperada para amanhã (18) a primeira reunião entre autoridades do governo brasileiro e organizadores do Encontro Global Multissetorial sobre o Futuro da Governança de Internet – marcado para 23 e 24 de abril em São Paulo. Agora sob nova direção, do ministro Aloizio Mercadante, a Casa Civil deve fazer uma apresentação oficial sobre os preparativos da conferência.

À frente da organização está o Comitê Gestor de Internet brasileiro. O Brasil colecionou, nos últimos meses, iniciativas que colocaram o país em destaque nas questões relacionadas a gestão, segurança, privacidade e liberdade na rede. Uma delas, o discurso da presidenta Dilma Rousseff na ONU, em setembro do ano passado – proferido na esteira das denúncias de bisbilhotagem desmedida praticada pelos Estados Unidos contra autoridades públicas, inclusive Dilma. Na ocasião, a presidenta destacou a preocupação brasileira com a garantia de privacidade como condição para a liberdade de expressão, descreveu os esforços internos para o país “dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que protejam [seus cidadãos] da interceptação ilegal de comunicações e dados”.

E diplomaticamente propôs ao planeta que fizesse o mesmo, inspirado nos seguintes princípios: da liberdade de expressão, privacidade do indivíduo e respeito aos direitos humanos; da governança democrática, multilateral e aberta, exercida com transparência, estimulando a criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor privado; da universalidade ao desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não discriminatórias; da diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores; e da neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.

São essas as premissas que levarão a São Paulo, no Encontro Global Multissetorial, representantes de governos, sociedade civil, academia, organismos internacionais, comunidades técnicas e empresariais. O evento ganha ainda importância num momento em que a comunidade europeia acaba de emitir resolução apoiando a globalização da gestão da internet, hoje concentrada nos Estados Unidos.

Guardadas as devidas proporções, tornou-se uma referência para este debate o processo de construção do texto do Marco Civil da Internet no Brasil, por reunir atores de todas essas áreas em sua elaboração e que pode servir de modelo para outros países que pleiteiam a democratização dos pitacos no futuro da rede. Como se não bastasse o fato de atravancar toda a pauta do Congresso – uma vez que tramita em regime de urgência e só deixa a fila andar depois de ir a voto –, a votação do Marco Civil reserva mais esse pequeno detalhe: o mundo todo está de olho nele.

Porém…

O texto, cuja finalização está a cargo do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), deveria ter ido a plenário no ano passado. Mas divergências insuperáveis decorrentes de interesses das teles só chegaram a um esboço de consenso no final do ano, em negociações envolvendo parlamentares, empresas de telecomunicações e o Ministério da Justiça em dezembro do ano passado.

O principal nó era o da garantia de neutralidade, que significa as empresas não poderem cobrar por pacotes diferenciados de conteúdo (do tipo pague x com um assinatura com direito a baixar textos, y para baixar vídeos, z para poder subir, e assim por diante). O consenso foi meia-boca, e muita gente do ramo avalia que vai dar margens para interpretações que vão acabar em tribunais. Mas ainda assim, e esse consenso não foi meia-boca, todos concordaram que foi o entendimento possível e que seria melhor votar de uma vez e virar esta página.

As teles estão dizendo, porém, que o relator, ao ler sua justificativa do projeto na semana passada, fez surgir termos diferentes do que havia sido combinado no final do ano. Moral da história: não está 100% garantido que o projeto seja mesmo votado esta semana, como se espera.

Exceto pelo ultimato dado pelo presidente da Câmara na quinta-feira (13), que jurou que a votação vai acontecer custe o que custar: “Ou o Marco Civil terá maioria para aprová-lo ou então o jeito será derrotá-lo e reapresentar a mesma proposta, com o carimbo da urgência regimental. Não é o ideal. O ideal é que votemos essa posição, se construa maioria, numa direção ou outra”, afirmou Henrique Eduardo Alves. “O que nós não queremos manter, porque está insustentável, é a pauta trancada por urgências constitucionais.”

Para não perder toda a viagem até aqui – o assunto é debatido há anos – há uma possibilidade de as empresas de telecomunicações orientarem a “sua bancada” a apoiar a votação do jeito que está e voltar a apresentar uma emenda feita pelo deputado Ricardo Izar (PSD-SP), e que já foi rejeitada por Molon. Diz a emenda que “é facultada a contratação de condições especiais de tráfego de pacote de dados, entre o responsável pela transmissão e terceiros interessados em provimento diferenciado de conteúdo, desde que não haja prejuízo ao tráfego normal de dados”.

Em seu parecer lido na terça-feira passada, Molon garante que as poucas mudanças que fez no texto não mexem com pontos de discordância entre os parlamentares, entre eles, o da neutralidade da rede. O líder do PMDB, Eduardo Cunha, zeloso dos interesses das teles, considera que o relatório atende ao modelo de “intervencionismo do Estado brasileiro”.

 

Da Rede Brasil Atual