Metalúrgicos do ABC: a elite operária

O ferramenteiro Fábio Alves Bosso, de 43 anos, passou todos os 29 anos de sua vida profissional em uma única empresa. Aos 14 anos, ingressou como aprendiz do Senai na Volkswagen de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, de onde não pretende sair tão cedo. Afinal, ele faz parte de uma elite operária invejada: recebe bons salários, acompanhados de polpudos benefícios e boas condições de trabalho, além da representação de um sindicato forte.

Bosso é apenas um dos 35 mil metalúrgicos das quatro montadoras instaladas em São Bernardo do Campo (Volks, Ford, Mercedes e Scania). O salário médio desse conjunto de trabalhadores é de R$ 5.236,00, mas pode até dobrar com as horas extras. O sonho da maioria, no entanto, é trabalhar no setor de engenharia de projetos, onde os salários passam de R$ 17 mil, sem contar as horas extras

O ferramenteiro da Volks não diz quanto ganha, mas seu salário é superior à média do setor.

São raras as categorias no Brasil que têm ganhos tão altos. Um exemplo são os bancários. Única categoria no País com contrato coletivo de trabalho nacional, a remuneração média do bancário é de R$ 4.435,00.

A elite da categoria, contudo, é formada por funcionários de bancos públicos federais. Na Caixa Econômica, por exemplo, a média é de R$ 5,1 mil, segundo o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.

Vantagem
Os trabalhadores das montadoras do ABC ganham bem mais que seus colegas de outras regiões do Estado e do País. Por exemplo, a remuneração média nas montadoras em São Bernardo do Campo chega a ser 196% maior que a média na Mitsubishi, em Catalão (GO), segundo levantamento da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no ABC. A comparação foi feita com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) referentes a 31 de dezembro de 2010, ano em que as vendas das montadoras bombaram.

O exemplo da Mitsubishi não é isolado. A vantagem da remuneração dos metalúrgicos do ABC é de 120% em relação à Fiat, de Betim (MG), de 60% comparado com a Ford, de Camaçari (BA), e de 50% sobre a Toyota, de Indaiatuba (SP).

“Somos uma elite no bom sentido”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre. “Todo trabalhador brasileiro poderia ter esse padrão de vida se a indústria em geral produzisse coisas de alta tecnologia e valor agregado que exigissem maior escolaridade e qualificação profissional.”

O sindicalista argumenta que as indústrias instaladas na região não são apenas montadoras de veículos, mas também produtoras. Elas têm áreas, por exemplo, de engenharia e de construção de ferramentas dentro das fábricas. “Unidades onde os trabalhadores só tiram produtos da caixa e montam, não permitem que o salário cresça.”

Além disso, em São Bernardo do Campo as pessoas permanecem no emprego por muito tempo, o que ajuda os salários a estarem no nível elevado atual. A média de permanência nas montadoras da região é de 15 anos. Tanto que a rotatividade no emprego é de apenas 1% ao ano, enquanto nas montadoras de outras regiões esse número chega a 15%.

A conquista de aumentos consecutivos de salários acima da inflação também ajuda a explicar os altos salários pagos pelas montadoras do ABC. Na última campanha salarial, por exemplo, a categoria teve 10% de reajuste, o que representa aumento real de 2,44%. Além disso, os trabalhadores receberam abono de R$ 2,5 mil e ampliação da licença-maternidade para 180 dias, entre outros benefícios.

Disputado
Não surpreende que o programa de estágio da Volkswagen para 2012 recebeu nada menos que 13.953 inscrições de universitários e estudantes de cursos técnicos para as 73 vagas oferecidas pela empresa para a Unidade Anchieta. O que representa 191 candidatos por vaga. Para ter ideia do grau de concorrência no processo, a disputa no vestibular da Fuvest para o curso de Medicina teve 49 candidatos por vaga este ano.

Diferentemente dos metalúrgicos do ABC, não está nada fácil a vida dos médicos em hospitais administrados pelo governo, segundo Otelo Chino Júnior, diretor do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo. “O salário base inicial para o serviço público do Estado é de apenas R$ 415, enquanto o teto não chega a R$ 2 mil, mesmo considerando gratificações por desempenho, por área de difícil provimento e periculosidade, entre outros quesitos”, afirma o médico.

Os metalúrgicos de montadoras fazem parte da nova classe média, diz o economista e chefe do Centro de Políticas Sociais, filiado ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, Marcelo Néri. Ele explica que a maneira mais simples de determinar as classes é “dinheiro no bolso”. Mas ressalta que a característica dessa nova classe média está mais no trabalho do que no consumo.

Um estudo coordenado por Néri mostra que, entre os 16 principais setores da economia, o automobilístico tem, disparado, a maior proporção de pessoas formadas em cursos profissionalizantes. Das pessoas que trabalham no setor, 45,71% já fizeram algum desses cursos. Em seguida vêm finanças e petróleo e gás, com 38,71% e 37,34%, pela ordem. Os lanterninhas são agronegócio (7,02%) e construção civil (17,8%).

Do Estadão (Marcelo Rehder)