Metalúrgicos do ABC debatem os “anos de chumbo”
Evento reúne deputado Genoino, padre, procurador da República para falar sobre a ditadura militar; exposição vai mostrar fotos da época
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC promove nesta sexta-feira (3), a partir das 18h, em sua sede, o debate “Ditadura Nunca Mais“. Participam do evento o deputado federal José Genoino (PT-SP), preso na Guerrilha do Araguaia; Rapahel Martinelli, ex-sindicalista ferroviário e ex-preso político; o padre Rubens Chasseraux, militante da resistência contra a ditadura na Região do ABC; e o procurador da República Marlon Alberto Weichert, responsável pela ação contra o coronel Brilhante Ustra, que cometeu tortura durante o regime militar.
Também nesta sexta-feira (3), será aberta no auditório da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC a exposição de fotos “Direito à memória e à verdade – A ditadura no Brasil“.
“Algumas das cenas mais impressionantes dos 21 anos de regime militar estão nos painéis instalados na Sede”, diz José Paulo, diretor do Sindicato. “Quem não aprende com a história permite que ela se repita. Por isso é fundamental sabermos o que ocorreu naqueles anos no Brasil”, afirma.
Acerto de contas com o passado
De 1964 a 1989, o Brasil enfrentou o regime militar. Os números não contam toda a verdade do período, mas estima-se que mais de 280 pessoas foram mortas – a maioria sob tortura – e mais de cem desapareceram. Trinta mil pessoas foram presas e torturadas durante a ditadura. Ninguém acusado de torturar presos políticos durante a ditadura militar chegou a ser punido.
Na transição para a democracia, o Brasil pulou a etapa de julgar e punir os torturadores e os que violaram direitos humanos, ao contrário do que ocorreu em outros países da América do Sul – Chile, Argentina e Uruguai – também vítimas de governos militares no mesmo período. No Brasil, foi adotada uma política de reparação das perdas econômicas (indenizações) sofridas pelos opositores do regime, que gera polêmica.
Em 1979, o Congresso aprovou a Lei da Anistia, que determinou que todos os envolvidos em crimes políticos – incluindo os torturadores – fossem perdoados pela Justiça. Mas muitos movimentos lutam para que este passado não seja esquecido nem os torturadores fiquem impunes.
Conheça (abaixo) um pouco sobre os convidados para o debate no Sindicato
JOSÉ GENOINO
Aos 15 anos o primeiro par de sapatos, aos 26, a prisão e a tortura
Há 37 anos, em 18 de abril de 1972, um jovem cearense de Quixeramobim de nome José Genoino e 26 anos conheceu a brutalidade da tortura. “Eles começaram com telefone ( tapa nos ouvidos) e foram alternando com afogamento (no qual a vítima fica pendurada de cabeça para baixo)”, conta o deputado. “Depois me puseram de pé, com o calcanhar sobre latinhas que tinham brasa queimando.” Genoino não sabia onde estavam os guerrilheiros (do Araguaia) daquele acampamento. Por isso apanhava, mais e mais. À noite, quando todos dormiam, ele se jogou no chão de terra, algemado e com os tornozelos presos por correntes. Não conseguia fechar os olhos. Viu o cachorro voltar. Ele lambeu seu rosto sujo, suado e se deitou ao lado. “Chorei. Era um momento inesperado de carinho”, diz o ex-guerrilheiro.
Encapuzado, enfrentou o pau de arara, levou choques elétricos e passou a administrar a própria vida jogando com o tempo e as informações que ia soltando aos poucos. “O que falei não prejudicou a guerrilha e nem atingiu a vida de ninguém”, afirma. ” Até hoje, Genoino é acusado de delator por causa dessas informações. “Isso magoa”, diz ele. Com o semblante triste, afirma: “Só me acusa quem não viveu o que eu vivi”.
Genoino integrou a direção da União Nacional dos Estudantes (UNE), filiou-se ao PCdoB em 1968. Foi preso em abril de 1972 na guerrilha do Araguaia, à qual aderiu em 1970. Ficou preso durante cinco anos.
Anistiado em 1979, ajudou a fundar o PT. Em 1982, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. Em 1998 foi reeleito ao seu quinto mandato, com 307.000 votos, a maior votação para deputado federal do país naquele ano. Em 2002, Genoino foi o candidato do PT ao Governo do Estado de São Paulo, tendo como vice Luiz Marinho, hoje prefeito de São Bernardo do Campo. Teve mais de 8 milhões de votos, tornando-se o primeiro candidato na história do partido a disputar o segundo turno no Estado. Assumiu a presidência nacional do PT em dezembro de 2002 e ficou 30 meses no cargo, até 9 de julho de 2005. Em 2006 foi eleito, pela sexta vez, deputado federal por São Paulo.
RAPHAEL MARTINELLI
Um dos mais importantes líderes sindicais do Brasil até 1964. Após o golpe caiu na clandestinidade e participou da luta armada contra a ditadura pela ALN (Aliança Libertadora Nacional). Preside o Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo. “A história constantemente escondida leva à impunidade e isso precisamos mudar.
O Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo foi criado para lutar pela reparação das injustiças e contra os desmandos, a impunidade e o esquecimento dos atos praticados pela ditadura. A entidade também atua em defesa dos direitos humanos no mundo e age em conjunto com os comitês internacionais de Direitos Humanos, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. No Brasil, apóia as associações que lutam pelos direitos dos anistiados, o Comitê pelos Mortos e Desaparecidos, o grupo Tortura Nunca Mais e os centros de defesa dos Direitos Humanos
PADRE RUBENS CHASSERAUX
Aos 70 anos, padre Rubens é uma das figuras mais carismáticas e polêmicas da Igreja na Região do ABC. Durante as décadas de 1960 e 1970, lutou ativamente pelos direitos dos excluídos. Dedicou o sacerdócio às pastorais sociais; é pároco há 45 anos da Igreja Nossa Senhora das Dores, em Vila Palmares, Santo André.
Sua atuação, desde a década de 1960, sempre foi voltada ao ABC. Criou o Movimento de Defesa dos Favelados, auxiliando os moradores nos processos de reurbanização de favelas e cortiços.
O padre Rubens foi preso e torturado nas dependências do DOPS de São Paulo
MARLON ALBERTO WEICHERT
O procurador da República Marlon Weichert é autor de uma ação civil pública contra a União. O processo pede que os dois ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) do II Exército, em São Paulo, no período de 1970 e 1976, os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, sejam responsabilizados pelas prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados no órgão de mais de 60 pessoas.
SERVIÇO
– Debate Ditadura Nunca Mais
– Amanhã: 3 de abril de 2009 (sexta-feira)
– A partir das 18h
– Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, auditório, 3° andar
– Rua João Basso, 231, Centro, São Bernardo do Campo, 4128-4200
2 de abril de 2009