Metalúrgicos, jornalistas e o poder da reivindicação

O jornalista Eduardo Sakamoto escreve artigo sobre a falta de reconhecimento dos jornalistas como classe trabalhadora

Nós, jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços não são mais necessários em determinado lugar.

Ou, às vezes, nem isso. Já vi colegas se culparem por terem sido demitidos sem justa causa no melhor estilo “perdoa-me por me traíres” de Nelson Rodrigues. “Deveria ter virado mais madrugadas na redação”, “deveria ter me oferecido para trabalhar em todos os finais de semana”, “não deveria ter corrigido o português ruim do meu chefe”…

Fazer protestos por melhores condições? Imagina! É coisa de caixa de banco, de operário sujo de graxa ou de condutor de trem que atrasam nossa vida e geram congestionamentos na cidade. Ou de inglês, francês e italiano que têm a vida ganha e mamam no Estado. Enquanto isso, quem tem consciência de que é um trabalhador e reivindica coletivamente, como muitos bancários, metalúrgicos e metroviários, tem mais chances de obter o que acha justo.

Quando vejo algumas coberturas jornalísticas mal feitas de protestos e greves fico pensando como pessoas que não conseguem se reconhecer como classe trabalhadora podem entender as reivindicações de trabalhadores. O fato é que não somos observadores externos e nem podemos ser. Somos parte desse tecido social, desempenhamos uma função, somos parte da engrenagem, gostemos ou não.

A vida de jornalista, deixando de lado o falso glamour, não é fácil. Ainda mais com o processo de precarização da profissão que é mais intenso para aqueles que são patrões de si mesmo, não por decisão própria, mas porque foram empurrados para isso.

É ano de eleições gerais, mas também de pleito entre jornalistas. Entre 27 a 29 de julho, ocorreu a votação para decidir quem ficará à frente da Federação Nacional dos Jornalistas pelos próximos três anos. Independentemente de quem ganhe, seria importante aproveitar o momento para participarmos mais dos debates sobre os desafios de nossa profissão. Pelo menos, estaremos quebrando a barreira do silêncio e abrindo o diálogo nas redações. E não apenas fazendo figa para que o dissídio seja maior neste ano como se ele caísse do céu.

Duvido que muitos jornalistas souberam que está rolando essa votação. E por pior que seja a divulgação do pleito, essa não é uma justificativa válida – principalmente para nós, que conseguimos obter informação quando queremos. Não é irônico que os profissionais que informam sobre e analisam a democracia diariamente não exerçam sua “cidadania profissional”?

 Do Blog do Sakamoto