Mineiros aprendem no ABC a fazer caminhões
Os operários Vandeir Maia Miranda e José Aurélio da Silva aprenderam a ganhar a vida produzindo automóveis. Mas agora precisam saber como se faz um caminhão. O novo desafio é consequência da mudança pela qual está passando a empresa onde eles trabalham. Depois de 12 anos tentando fabricar carros de passeio no Brasil, a Mercedes- Benz concluiu que é melhor concentrar-se na produção de caminhões e ônibus, especialidade que a mantém na liderança de mercado há 56 anos.
Vandeir e José Aurélio fazem parte de um grupo de 410 trabalhadores, que foi deslocado da fábrica da Mercedes em Juiz de Fora (MG) para uma temporada de treinamento na linha de caminhões, em São Bernardo do Campo (SP). Enquanto isso, a instalação em Juiz de Fora, onde eram produzidos automóveis, será reformada para se transformar em uma fábrica de caminhões, a segunda da Mercedes no Brasil.
Dois prédios, o da montagem e o da chaparia – onde são estampadas as partes dos veículo feitas de aço -, precisam ser ampliados para receber a linha de caminhões. Ao mesmo tempo, a direção da empresa já iniciou negociações com fabricantes de autopeças para tentar aproximá-los da nova linha, que produzirá dois modelos. Segundo o cronograma da reforma, os primeiros caminhões Mercedes produzidos em Minas Gerais devem ir para o mercado no início de 2012.
Enquanto a construção civil ganha velocidade, no treinamento de pessoal não há tanta pressa para terminar. O reforço na linha de São Bernardo chegou em boa hora. Tem servido para ajudar a elevar o ritmo de produção num momento em que o mercado de caminhões está aquecido.
“Conseguimos uma operação casada. Enquanto esperamos a conclusão das obras, o treinamento de trabalhadores que, afinal, já são especializados e aprendem rápido, nos ajuda na necessidade de produção em São Bernardo”, afirma o diretor de produção Izidro Penatti, um paulista que se mudou para Juiz de Fora há 14 anos. À época, ao deixar a linha de ônibus da montadora, seu desafio foi justamente adaptar-se aos conceito de produção de automóveis.
O treinamento da turma de Juiz de Fora vai até mais ou menos agosto. Isso significa que alguns trabalhadores passarão quase um ano longe de casa. Outros, sete meses. Todos sabem, porém, que a longa ausência é por uma boa causa. Se bem-sucedida, a transformação da fábrica mineira representará o fim de uma agonia que vem se arrastando há anos.
O excesso de ociosidade ameaça empregos em Juiz de Fora desde a inauguração da fábrica, em 1999. O risco maior apareceu em 2005, quando o carro compacto Classe A, motivo pelo qual a fábrica foi erguida, deixou de ser produzido no Brasil. A partir daí, na tentativa de evitar o fechamento da unidade, a direção da Mercedes tentou, ao longo de anos, aproveitar a instalação mineira para modestas montagens de automóveis de luxo, voltados sobretudo à exportação.
A iminência do fim dessa longa agonia envolve 800 empregados. Enquanto os 410 da produção passam por treinamento no ABC, os outros 390 estão em Juiz de Fora, mantendo ativas áreas como administração, fiscal, engenharia de processos e contabilidade. Parte da equipe de Recursos Humanos se deslocou para São Bernardo para ajudar no suporte dos operários em treinamento. A empresa registra apenas um afastamento até agora, segundo Penatti: um operário, que rompeu o ligamento do tornozelo durante partida de futebol no fim de semana, voltou para casa, em Minas.
Vandeir Maia Miranda foi um dos primeiros a chegar em São Bernardo. Começou o treinamento em agosto, junto com o primeiro grupo, de 130 trabalhadores. Ainda que boa parte dos conceitos de manufatura da linha de caminhões seja igual aos aplicados em automóveis, o trabalho prático acaba sendo diferente. Afinal, a nova rotina coloca à frente dos operários veículos de quase três metros de altura, o dobro de um automóvel. A altura do pneu chegou a assustar no início. E o aperto do parafuso requer manobras diferentes.
Há 13 anos, Vandeir abandonou o emprego de fiscal de caixa em um supermercado depois de ser aprovado no processo de seleção da Mercedes. Com treinamento no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), aos 21 anos de idade, Vandeir tornou-se um montador final de acabamento. Foi uma alegria. “Todo mundo correu quando anunciaram que a Mercedes-Benz estava abrindo vagas na cidade”, conta.
O treinamento da equipe mineira no ABC envolve um detalhado esquema logístico. O grupo está hospedado em três hotéis, em São Bernardo, Santo André e São Paulo. O transporte diário é feito em ônibus fretados da empresa. Da mesma forma, os 410 trabalhadores seguem, juntos, a cada 15 dias, para Juiz de Fora para passar um fim de semana com a família. O retorno do percurso dos 520 quilômetros que separam as duas cidades serve também para atender às encomendas. Vandeir diz que já começou a ganhar o apelido de “queijeiro” por trazer sempre os famosos queijos de Minas para os colegas paulistas.
Esse vaivém também já rendeu novas experiências nas famílias dos trabalhadores. A esposa e o filho do operador de produção José Aurélio da Silva, que nunca haviam estado em São Paulo, aproveitaram o treinamento para conhecer a região e passear em shopping centers, atração favorita dos parentes, segundo os operários.
Para Vandeir Maia Miranda e José Aurélio da Silva, o treinamento não se esgotará em São Bernardo. Eles fazem parte do grupo de 60 trabalhadores, que viajará, em maio, para Stuttgart, sede da companhia na Alemanha, para outro treinamento, específico do Actros, nome de um dos modelos de caminhão que ainda não é conhecido nem pelos operários de São Bernardo. A estreia da produção desse modelo no Brasil será em Juiz de Fora.
Hoje, aos 44 anos de idade, José Aurélio é o reflexo da longa espera dos metalúrgicos mineiros por uma definição do destino da fábrica da Mercedes, que lhes impõem, agora, um novo desafio. Ele entrou na empresa logo na inauguração da fábrica, em 1999. Saiu e durante um ano experimentou trabalhos em outras empresas. Retornou para a montadora, em seguida, e agora, diante da perspectiva de a operação em Minas Gerais finalmente deslanchar, ele diz que sonha se aposentar na empresa.
Do Valor Econômico