Montadoras vivem guerra de preços no estagnado mercado europeu

A compra de um novo automóvel pelo suíço Georg Buehler, um pedagogo de 53 anos, ilustra o acirramento da guerra de preços praticada entre montadoras na Europa e acusações de aprofundar as perdas da indústria automotiva.

Buehler ganha bem sua vida mas nunca quis gastar dinheiro comprando carro zero quilômetro, já que os usados vendidos na Suíça são bem conservados e o preço é sempre muito mais baixo. Mas recentemente ele mudou de ideia.

Em 2006 ele desembolsara 9.800 francos suíços (R$ 20,6 mil) por um modelo Volkswagen com 166 mil quilômetros rodados. Agora, com o carro já nos 236 mil quilômetros, decidiu trocá-lo por outro usado com algo entre 40 mil a 60 mil quilômetros rodados, que viu poder custar entre 12 mil francos (R$ 25,2 mil) e 18 mil francos (R$ 37,9 mil).

Mas Buehler descobriu logo as ofertas mirabolantes das revendedoras de carros novos. Constatou que um modelo menor da Renault, um Clio, poderia sair mais barato do que o custo de oficial de 21.500 francos suíços (R$ 45,3 mil).

O revendedor do automóvel frances perto de Berna, a capital suíça, ofereceu-lhe vários abatimentos: de 4 mil francos (R$ 8,4 mil) supostamente em razão do franco valorizado em relação ao euro; de 1.000 francos (R$ 2,1 mil) porque queria acabar o estoque do modelo; e um terceiro desconto disfarçado ao pagar 1.500 francos (R$ 3,2 mil) pelo seu Volks velho, que outros revendedores diziam não valer mais nem um centavo.

No fim das contas, Buehler obteve 30,2% de abatimento e só pagou 16 mil francos suíços (R$ 33,7 mil) – menos do que um modelo de usado que pensara em comprar. “O modelo novo é menor, mas foi um bom negócio sair com um carro zero quilômetro”, conta ele.

Na verdade, algumas montadoras vem dando redução de até 35% no preço, segundo um porta-voz da Fiat, Richard Gadeselli, disse ao Valor. E mesmo com os abatimentos atrativos, as vendas de carros na Europa caíram 6,8% no primeiro semestre, comparado ao mesmo período do ano passado.

Sergio Marchionne, principal executivo de Fiat, descreveu o mercado automotivo europeu de “banho de sangue de preços” e “banho de sangue nas margens”, no que alguns analistas viram ironicamente uma momentânea perda de gosto dele pela economia de mercado e a livre concorrência.

Também presidente da Associação Europeia de Construtores Automotivos (Acea), Marchionne alvejou especialmente o grupo alemão Volkswagen de explorar a crise para ganhar fatias de mercado com uma política de abatimentos “agressiva e ruinosa”.

A direção da Volkswagen reagiu duramente, exigindo que o patrão da Fiat se demita da presidência da Acea, que reúne os produtores europeus. “As declarações de Marchionne mostram mais uma vez uma total incompetência”, disse um porta-voz alemão na imprensa local.

Segundo a Acea, cerca de 12,4 milhões de veículos serão vendidos na Europa este ano – são três milhões a menos do que em 2007, o anterior ao começo da crise financeira global.

Somente os alemães Volks, Daimler e BMW aumentaram sua fatia no mercado deprimido europeu. Seus resultados positivos contrastam com as perdas bilionárias de rivais como PSA Peugeot-Citroën, Ford, GM e outros.

Sem surpresa, o confronto entre as montadoras aumentou em meio a deterioração econômica. Principalmente entre as montadoras em boa situação, como os alemães, e a Fiat e os franceses em dificuldade. Mas parece difícil atribuir a um só construtor os problemas do setor. A realidade é que a industria automotiva europeia tem um enorme problema de excesso de capacidade.

Para certos analistas, a industria automotiva europeia estaria operando com apenas 60% de sua capacidade, quando para serem lucrativas deveriam utilizar pelo menos 75% de sua capacidade. O excesso de capacidade é particularmente nocivo para um setor que continua a ter altos custos enquanto o faturamento declina.

As cifras podem ser bem piores para alguns fabricantes, incluindo as fábricas da Fiat na Itália. Já no caso de BMW e Mercedes, operam próximo da capacidade, graças por exemplo ao sucesso de exportações de modelos de alta qualidade para mercados em expansão como a China.

O excesso de capacidade na Europa pode ser similar a crise que quase provocou o colapso da industria automotiva nos EUA. A diferença é que Ford e GM se recuperam bem após 2009, enquanto na Europa a situação parece mais complicada para ser resolvida.

Montadoras europeias atacam agora também o acordo de livre comércio UE-Coreia do Sul. Nissan e Toyota aumentaram sua fatia no mercado europeu, provocando acusações de práticas desleais.

Além disso, fabricantes europeus pressionam a Comissão Europeia, braço executivo da UE, para prorrogar sua norma de redução de emissões de gases.

Até ontem, Marchionne continuava na presidência da Acea. “Não se falou em sua saída, seu mandato vai até o fim do ano”, disse um porta-voz da associação. Também a Fiat procura agora minimizar as declarações do patrão. Um porta-voz insiste que na verdade Marchionne não fez acusação direta a Volks.

Quanto ao grupo alemão, não retirou sua exigência contra Marchionne. E analistas lembram que a Volks está sempre pronta para comprar a Alfa Romeo, o que já causou tensões com a Fiat no passado.

Do Valor Econômico