Movimento social|O martelo contra a reforma

Números e ritmo da reforma agrária no Brasil ainda geram protestos e controvérsias. Mas numa coisa movimentos, funcionários do Incra, procuradores e promotores concordam: há decisões do Judiciário que não deixam a reforma andar

Lentidão
Para dirigentes do MST e da Contag, o ritmo da reforma agrária está longe
de contemplar as promessas da gestão petista. Enquanto isso, ruralistas
querem transformar ocupação em crime hediondo

Por Verena Glass

Dona Antônia não é de falar muito. A agricultora, que
aparenta ter 60 anos e não dá o sobrenome, foi uma das vítimas do
despejo, em junho do ano passado, de 200 famílias do assentamento do
Incra na Usina Estreliana, em Gameleira (PE). Dona Antônia conheceu o
MST há quatro anos. Juntou-se a um acampamento nas cercanias da usina
e, em 12 de abril de 2006, recebeu do Incra o título de posse de uma
área desapropriada da empresa. Estava oficialmente assentada. “Foi na
semana da Quaresma. O oficial de Justiça leu pra nós o decreto assinado
pelo presidente. Começamos a construir e plantar. Não deu dois meses, e
um dia chega a polícia dizendo que tínhamos que sair”, lembra. “Tinha
cachorro, helicóptero. Quando um companheiro mostrou cópia do documento
de posse do Incra, disseram que era engano. Deram uma hora pra tirar
tudo de lá, depois passaram veneno nas nossas roças. Eu já tinha
plantado milho, feijão, macaxeira, batata…”

Os
despejados montaram acampamento próximo de onde foram retirados.
Sobrevivem de cestas básicas. E andam com medo. “Funcionários e
pistoleiros passam de carro ou moto; não dizem nada”, conta Antônia. E
pede: “Não publique minha foto. Quando vou na cacimba pegar água, é
caminho deles. Quando vou no rio lavar roupa, é caminho deles. Quando
vou na cidade fazer compras, é caminho deles”.

Para
ativistas dos direitos humanos, o caso da Usina Estreliana se tornou
emblemático de um procedimento que tem caracterizado uma campanha de
impedimento, por parte de setores do Poder Judiciário, do processo de
reforma agrária. Desde a divulgação em janeiro dos números da reforma
agrária referentes aos primeiros quatro anos do governo Lula, o
Planalto e os movimentos sociais trocam farpas por conta de desacordos
sobre os critérios para mensurar o resultado – 381,4 mil famílias
assentadas, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Independentemente da contabilidade, para o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag), o ritmo da reforma está longe de contemplar as
promessas da gestão petista.

Muitos
creditam essa lentidão a dificuldades operacionais do Incra, outros à
aproximação do governo com o agronegócio. Mas no cerne da questão
movimentos, funcionários do Incra, procuradores e até promotores do
Ministério Público concordam: por trás da lentidão está a atuação
predominantemente desfavorável à reforma agrária por parte do Poder
Judiciário. Vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) em 2002, uma área de 1.880 hectares da Estreliana foi
oficialmente declarada improdutiva (o grau de aproveitamento era de
apenas 17,64%). Em novembro de 2003 um decreto presidencial declarou as
terras como de interesse social para fins de reforma agrária. Começa
uma batalha jurídica entre o Incra e a usina.

Em
junho de 2005 os donos da Estreliana ganham uma apelação no Tribunal
Regional Federal (TRF) que, contrariando parecer do Supremo Tribunal
Federal (STF), suspende os efeitos da vistoria da usina pelo Incra e,
conseqüentemente, o decreto presidencial de desapropriação. O Incra
apela novamente ao STF. Sua presidente, ministra Ellen Gracie, derruba
a decisão do TRF, e em 12 de abril de 2006 o órgão confirma na posse da
área cerca de 200 famílias sem-terra; entre elas, a de dona Antônia.

Porém,
alguns dias depois a ministra Ellen Gracie revê a própria decisão e
valida a apelação ganha pela usina. O TRF autoriza o despejo. O caso
provocou indi