Mudança de mentalidade faz Brasil virar ‘país do hoje’, diz criador da sigla Bric
O economista Jim O'Neill diz que País está deixando de ser apenas promessa. Ele falou da importância de Lula e disse que há riscos na eleição de 2010
No Brasil, o “futuro” está se transformando em “hoje”. Segundo o criador do termo Bric, acrônimo inventado em 2001 para prever que o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China como a maior economia do mundo em 2050, o País está deixando de ser apenas uma promessa e se constituindo como potência real.
O economista britânico Jim O’Neill, diretor de pesquisa do grupo Goldman Sachs, disse que a mudança na mentalidade da população brasileira nos últimos anos é impressionante e foi a melhor surpresa que ele teve desde que começou a pensar sobre o tema. Ele ressaltou a importância da continuidade que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu à política de controle da inflação no país e alegou que é preciso continuar o trabalho após as eleições de 2010.
Leia abaixo a íntegra da entrevista, em que o economista fala ainda de China, redução de emissão de gases, relações internacionais e do susto que tomou ao ver a revista “Economist” colocar o Brasil em sua capa.
G1 – O Brasil é sempre visto como o país do futuro. Quando vai se tornar o país do presente?
Jim O’Neill – O Brasil está finalmente se tornando o país do hoje. Acredito que Lula precisa ser visto como o melhor tomador de grandes decisões políticas desta década. O que mudou foi a mentalidade de todos os brasileiros. Nos primeiros cinco ou seis anos após a criação do termo, sempre que ia ao Brasil as pessoas me perguntavam por que o “B” estava ali? E chegavam a dizer que era uma piada. Como as pessoas não acreditavam no Brasil, era um desafio fazer a inflação ser manter baixa e estável. Graças ao presidente Lula e ao Banco Central, claro, eles conseguiram isso até agora, o que é particularmente impressionante por causa da crise internacional.
Agora, percebo claramente que muitos brasileiros pensam de forma diferente. Quando fui ao Brasil pela última vez, há algumas semanas, percebi que os brasileiros podem planejar para o futuro no longo prazo com uma confiança razoável. Isso é o que mudou.
Não. Gostaria de pensar que sim, mas sou suspeito, já que se trata de uma criação minha. Mas sei que a criação do termo forçou as pessoas a pensarem sobre o Brasil, incluindo o próprio povo brasileiro. Em alguns sentidos, a criação dos Bric mudou a minha própria vida, já que se tornou algo tão grande. Mas acho que o que me deixa mais feliz desde que a ideia surgiu é o Brasil, pois é onde houve a maior mudança em termos de mentalidade.
G1 – A eleição no próximo ano representa um risco para a economia brasileira?
O’Neill – Preciso admitir que quando vi a “Economist” há duas semanas, aquilo me assustou, pois a revista se tornou famosa nos últimos 25 anos por ocasionalmente entender as coisas realmente de forma muito errada. Por muitos anos, a “Economist” questionava a presença do B em Bric, e de repente eles fazem um especial de 18 páginas sobre o Brasil. Isso é assustador.
G1 – A criação da ideia de Bric tem alguma influência sobre isso, pode ter ajudado o Brasil a se desenvolver?
O’Neill – As pessoas me diziam, em 2001, que uma das razões pelas quais a idéia de BRIC era loucura era porque o governo Lula seria um desastre. Essa idéia estava espalhada em todo o mundo. Agora o que as pessoas me dizem é que não há riscos na próxima eleição, o que acho bobagem. Vamos perder Lula que foi uma parte importante de tudo isso e não sabemos quem vai vencer nem quais vão ser suas políticas. A eleição é uma fonte de risco e é importante que o Banco Central continue sendo independente, e se torne ainda mais. Acima de tudo, o Brasil precisa começar a reduzir os gastos do governo.
G1 – Quando a idéia de BRIC foi criada em 2001, Lula ainda não era presidente. O senhor diz que ele é importante, mas não foi ele que começou este caminho de crescimento, então?
O’Neill – Não, não começou com ele. A razão pela qual o Brasil chamou a atenção foi por conta da luta contra a inflação. O país tinha uma grande população e estava trabalhando com foco na inflação. A razão de Lula ser tão importante é que as pessoas achavam que ele ia interromper isso, mas ele não o fez, e deu continuidade.
G1 – Como o crescimento dos Bric vai afetar as relações internacionais? Os EUA vão aceitar o crescimento dos outros países, sendo inclusive superado pela China?
O’Neill – Isso passa dos limites da minha responsabilidade normal, mas claro que penso sobre isso. Em alguns termos, acho que os EUA querem que a China tenha mais responsabilidade e envolvimentos internacionais. O crescimento da China é muito autocentrado, eles não parecem ter nenhuma visão muito forte política ou militar em relação ao resto do mundo. Não parecem ter as mesmas ambições e responsabilidades que os EUA. Acabei de passar algumas semanas lá, e isso é muito claro, e não parece mudar. Com o crescimento, a China vai precisar se tornar mais importante internacionalmente. É peculiar, mas a China não tem os mesmos instintos globais que os EUA.
Esta é mais uma razão pela qual a criação do G20 é saudável. Ela cria um fórum em que uma vez por ano os maiores líderes políticos vão se encontrar para discutir este tipo de coisa.
G1 – Que impacto a decisão chinesa de reduzir as emissões de carbono (anunciada na quinta-feira) pode ter sobre a economia global?
O’Neill – Passei o dia inteiro analisando o anúncio da China e acho que é uma decisão surpreendente. Se acreditarmos no que eles estão dizendo, pode mudar o padrão da demanda de longo prazo de petróleo e combustíveis fósseis.
A dúvida que fica no ar agora é em relação à resposta da Índia. Em nossa pesquisa sobre os BRIC, em nossa projeção de longo prazo, entre 40% e 50% da demanda de energia do mundo nos próximos 40 anos vêm da Índia e da China. Se a china estiver realmente se comprometendo em diminuir as emissões e adotar energia renovável, trata-se de uma decisão muito, muito grande.
Dada a força do Brasil em energia renovável, isso pode ser ainda mais encorajador para a economia brasileira. É um desenvolvimento muito importante e pode significar que a China vai começar a aceitar uma diminuição no crescimento do seu PIB em nome de uma maior preocupação com a qualidade do desenvolvimento.
É algo que no longo termo pode ser favorável ao desenvolvimento. Minha primeira reação é de que pode ajudar a desenvolver o país, pois mostra que a China percebeu que vive uma situação crescente de problemas e limitações internos, que tem efeitos negativos na qualidade das suas commodities.
Do G1