Mulheres são 18% da mão de obra em montadoras
Para Laiza Viveiros, chegar à Mercedes-Benz foi como um caminho natural dentro de uma família em que muitos se dedicaram à montadora. Seu pai, já aposentado, trabalhou na empresa por 30 anos e hoje 13 primos dela, além do irmão, estão empregados na fábrica de caminhões e ônibus do grupo alemão em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Desde criança, Laiza sempre foi incentivada em casa a também trabalhar na Mercedes. Assim, quando começou a pensar em seu futuro profissional há cerca de dois anos, ela não teve muitas dúvidas em se candidatar a uma das 48 vagas abertas semestralmente na escola de aprendizagem industrial que prepara os futuros operários da montadora.
A poucos meses de concluir o curso, Laiza – agora com 19 anos – vive a expectativa de ser efetivada e faz planos de crescimento na empresa. Quer, primeiro, se encaixar em alguma das linhas de produção para, depois, alcançar um posto no laboratório da montadora. Tendo em vista esse objetivo, já começou a cursar a faculdade de Química. “Na Mercedes, nós temos dois mundos diferentes. Um é o dos filhos de funcionários e o outro é o de gente que vem da comunidade. No meu caso, minha família sempre me estimulou a trabalhar aqui”, diz a aprendiz, ao explicar por que resolveu iniciar sua carreira numa fábrica de veículos.
Até trinta anos atrás, histórias assim eram raras. O trabalho nas montadoras era pesado demais para as mulheres – ou até mesmo para homens de estatura física pouco avantajada. Jovens como Laiza também não tinham o mesmo apoio familiar para trabalhar em um ambiente predominantemente masculino. Havia, de um lado, o preconceito e, de outro, a exigência de força física que tornavam praticamente impossível o trabalho delas nas linhas de montagem.
Como se sabe, o cenário começou a mudar com a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que passou a ser comum a presença de alunas em cursos técnicos ou faculdades de engenharia – ambos dominados, no passado, por homens.
Mas foi a evolução nos processos industriais que abriu definitivamente o caminho para a ocupação de mulheres em um número cada vez maior de atividades fabris. Com a automação e a mecanização das linhas, junto com a redução nos pesos de equipamentos e das peças, tornou-se comum ver homens e mulheres trabalhando em conjunto nas montadoras.
Hoje, há máquinas para transportar os conjuntos mais pesados, desde as rodas aos chassis. Se no passado operários carregavam equipamentos de quase 30 quilos para o aperto de cada um dos parafusos das rodas de caminhões, o trabalho agora é feito por uma máquina suspensa por cabos e de fácil manuseio, capaz de apertar cinco parafusos simultaneamente. Também houve melhoras relacionadas à ergonomia dos sistemas – ou seja, a adequação dos equipamentos para minimizar o esforço dos trabalhadores. “Nos anos 60, era preciso ser de borracha para alcançar algumas peças. Hoje, os veículos são mais amigáveis para montagem”, lembra com bom humor o gerente de produção da Mercedes, Roberto D´alessandro.
O trabalho se tornou, portanto, menos braçal e a força física deixou de ser predominante na contratação dos operários, abrindo espaço para as mulheres. O avanço começou em setores de tapeçaria, onde se aproveitava a habilidade das costureiras em trabalhos de revestimentos automotivos. Mas atualmente as mulheres já estão presentes em quase todas as atividades de uma fábrica de veículos.
Números coletados no banco de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram que a ocupação feminina na indústria automobilística – incluindo, além das montadoras, os fabricantes de autopeças e implementos rodoviários – avançou 86% nos últimos seis anos. As mulheres, que em 2006 eram 13% dos trabalhadores, já representam mais de 18% da força de trabalho no setor. Só nas fábricas de carros, elas ocuparam cerca de 660 das vagas criadas apenas neste ano.
Nas linhas mais modernas – e, portanto, mais automatizadas – a presença de operárias pode ser ainda maior. Na fábrica da Hyundai, que está há um ano em operação no interior paulista, as mulheres respondem por 20% da mão de obra em linhas produtivas. Esse percentual se repete no parque da Mitsubishi em Catalão (GO), que recebe, desde 2010, investimentos superiores a R$ 1 bilhão em ampliação e modernização.
Ainda assim, os principais postos de comando nas montadoras seguem sob a batuta dos homens. Segundo os números da Rais, apenas 19 mulheres são diretoras de empresas automotivas, enquanto a mesma função é ocupada por 111 homens. Apenas em 2010 uma mulher chegou à presidência de uma montadora de carros no Brasil, com a nomeação da americana Denise Johnson para o comando da General Motors (GM).
Denise, porém, não chegou a ficar oito meses no cargo, sendo sucedida pela também americana Grace Lieblein, que voltou aos Estados Unidos no fim do ano passado ao ser promovida para chefiar as compras do grupo.
Na Fiat, líder em vendas no mercado brasileiro, somente em janeiro deste ano uma mulher foi, pela primeira vez, promovida ao cargo de diretora – no caso, dentro do departamento de qualidade. A engenheira elétrica Cristiane Paixão, escolhida para o posto, entrou na Fiat como trainee, chegou ao cargo após 20 anos de casa e dá provas de que a “guerra dos sexos” não tem mais lugar nas montadoras. “Nunca parei para pensar nessa questão de masculino ou feminino. Minha promoção se deve mais aos resultados entregues. Também nunca me incomodou lidar mais com homens porque minha formação foi em engenharia, onde eles eram a maioria na minha turma.”
Do Valor Econômico