Mundo|O Brasil no Haiti

Missão dos soldados brasileiros, pacificar um dos países mais pobres e instáveis da América, faz três anos e se estende até 2011.

Paixão pelo futebol
Os haitianos adoram o futebol brasileiro.
Em 2004, soldados desfilaram pelas ruas
de Porto Príncipe com a Taça do Mundo
buscando simpatia. Hoje os “capacetes
azuis” ajudam a população até na
distribuição de água

Por Spensy Pimentel

O longo caminho para a paz

A cada seis meses, desde 2004, cerca de 1.200 brasileiros desembarcam no Haiti, com a tarefa de pacificar um dos países mais pobres e instáveis do continente. E o Brasil deve continuar na missão de paz da ONU pelo menos até 2011

Montanhas de lixo que se espalhavam três anos atrás pelas ruas de grande parte de Porto Príncipe, capital haitiana, já são mais raras. Comerciantes lotam calçadas à frente de renascentes restaurantes e cibercafés – onde a população se comunica com parentes no exterior, responsáveis pelo envio anual de cerca de 1,6 bilhão de dólares, quase 50% do PIB. Brasileiros há mais tempo no país contam que o andar despreocupado das pessoas em certas ruas tem gosto de novidade. No auge da onda de violência, chegou-se a adiantar o fim do expediente para 16h, antes de escurecer.

À noite, na véspera do Dia da Bandeira, 18 de maio, as festas de rua se estendiam até as regiões mais remotas de bairros como Cité Soleil. “Aqui, toda vez que a gente chegava, podia esperar que vinha tiro”, conta um dos soldados que acompanhamos em uma ronda noturna. A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) completou três anos. Neste mês, chega o sétimo grupo de 1.200 “capacetes azuis” brasileiros. Eles vão encontrar um país diferente daquele de 2004, quando a missão foi criada pelo Conselho de Segurança da ONU após a crise gerada pela deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, mas com desafios talvez menos adequados a militares.

A fase crucial de pacificação foi completada há três meses, na avaliação do comando militar da missão, a cargo do general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz. “Quebramos a estrutura dos grupos armados e das gangues que controlavam determinadas áreas”, conta. “A primeira fase da missão, de permitir a presença do governo haitiano em qualquer parte do território nacional, foi cumprida.” O marco dessa passagem teve tropas brasileiras como protagonistas. Entre dezembro e março, uma seqüência de operações ocupou pontos estratégicos em Cité Soleil, um dos bairros mais pobres, com mais de 200 mil habitantes. Foram presos quase 700 suspeitos de participar de gangues ou de chimères, grupos armados acusados de promover o terror na capital, com seqüestros e assaltos, extorsão de dinheiro de comerciantes e tráfico de drogas.

No período de atuação das tropas, grupos internacionais de direitos humanos disseminaram pela internet versões alarmantes. Falavam em “dezenas de inocentes mortos” nas operações, quando, segundo o comando da missão, não houve vítima que não pertencesse às “forças adversas”. A versão é endossada pela ONU, que monitora a ação dos soldados com especialistas em direitos humanos.

Nem branco, nem preto

René Préval, presidente democraticamente eleito em fevereiro de 2006, quer a permanência da missão – embora tenha adotado discurso mais dúbio ao longo do ano passado, quando tinha aliados a apoiar nas eleições legislativas e locais que se seguiram à vitória presidencial. A popularidade de Préval permanece elevada. Durante a apuração das eleições, seus partidários encontraram urnas e votos não contabilizados em um depósito de lixo da capital e acusaram tentativa de fraude. Uma multidão saiu às ruas para exigir a posse.

A ambigüidade no discurso, no Brasil conhecida como “tucanagem”, no Haiti é chamada de marronage (nem branc