“Não adianta só crescer, tem que repartir com os trabalhadores que geram a riqueza do país e é através da negociação coletiva que isso acontece”

Em entrevista à Tribuna, a socióloga e diretora-técnica do Dieese, Adriana Marcolino, aponta políticas responsáveis a partir de 2023 pelo resultado positivo registrado pela economia brasileira

“O que resulta no crescimento substancial da economia brasileira, inclusive surpreendendo com o PIB [Produto Interno Bruto] no terceiro trimestre deste ano, são as políticas de desenvolvimento retomadas a partir de 2023 com o presidente Lula”. Em entrevista à Tribuna Metalúrgica, a diretora-técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Adriana Marcolino, aponta investimentos em infraestrutura econômica e social, reindustrialização, a transição ecológica fundamental para a sobrevivência da população, aumento de renda – seja com programas de transferência ou política de valorização do salário mínimo – como alguns dos fatores responsáveis por garantir o resultado positivo que a economia brasileira vem registrando.

“Tudo isso traz investimento, gera empregos e dinamismo para a economia. Os trabalhadores consomem mais e amplia-se o mercado interno, gerando um efeito positivo disseminado por toda a economia nacional”, disse. Adriana, que também é socióloga, chegou ao instituto em 1998, onde atuou durante vários anos na assessoria das subseções em entidades de classe. Nos últimos anos, seu trabalho se concentrou junto ao Fórum das Centrais Sindicais, colaborando na elaboração da plataforma das Centrais, na construção da Pauta Unitária e também no encaminhamento de propostas de âmbito nacional.

Tribuna Metalúrgica – Como os trabalhadores estão vivendo essa recuperação desde 2023?

Adriana – É possível que a economia acelere seu crescimento agora no segundo semestre de 2024. O resultado do segundo trimestre de 2024 já foi muito positivo, foi puxado pelos investimentos, pelo consumo das famílias e são muito importantes esses dois indicadores porque quando você puxa a economia por meio de investimentos, cria bases sólidas para o desenvolvimento de uma economia. Quando também puxa esse crescimento pelo mercado interno, significa que está dando melhores condições de vida para a população poder consumir bens e serviços necessários para a sua vida. Aos trabalhadores isso tem se refletido no aumento do emprego. Quando você tem uma economia mais dinâmica, você tem uma geração de empregos maior e, portanto, redução do desemprego, e isso também começa a ter efeito na renda porque quanto mais você reduz o desemprego, os salários começam a ter um efeito positivo de crescimento. Somado à política de valorização do salário mínimo, as negociações coletivas estão conseguindo também, além de repor a inflação, garantir aumentos reais.

Foto: Adonis Guerra

TM – Como os sindicatos entram nesse processo de recuperação da economia? Como estão as negociações coletivas, que desafios os sindicatos precisam resolver para navegarmos melhor em uma trajetória de crescimento e desenvolvimento?

Adriana –  Primeiro que os sindicatos estão participando ativamente da construção e elaboração desses programas de desenvolvimento. Tanto o PAC [Programa de Aceleração de Crescimento], o programa de reindustrialização, a transição ecológica, mesmo a retomada da política de valorização do salário mínimo, o movimento sindical tem participado de forma ativa para garantir que essas políticas resultem em mais e melhores empregos, além de maiores remunerações. E a segunda forma que os sindicatos participam desse processo de recuperação da economia é através das negociações coletivas. Os sindicatos atuam para que parte desse crescimento seja revertido em salários e benefícios para a classe trabalhadora. Não adianta só crescer, tem que repartir esse crescimento com os trabalhadores que geram a riqueza do país e é através da negociação coletiva que isso acontece, de um reajuste salarial, com um aumento real, com melhoria dos pisos salariais, com melhoria dos benefícios. A gente tem acompanhado as negociações coletivas agora este ano e algo como 86% têm registrado reajustes salariais acima da inflação, com um aumento real. E isso é um indicador bastante positivo do ponto de vista da classe trabalhadora.

TM – De acordo com o PNAD, o desemprego caiu a 6,6% no trimestre terminado em agosto, menor nível desde 2012 da série histórica. Vamos seguir nessa tendência?

Adriana – A redução da taxa de desemprego é resultado direto das escolhas de política de desenvolvimento. Se eu tenho uma política de desenvolvimento que aposta em investimentos no país, em melhoria da infraestrutura econômica e social, em reativação da indústria, isso tem um reflexo positivo no mercado de trabalho e na redução da taxa de desemprego. Qual a única preocupação neste momento? É a retomada do crescimento da taxa de juros, a Selic, que inibe a economia. Sem contar que cada vez que o país tem a taxa de juros aumentada, o Estado Brasileiro acaba gastando mais para pagar juros dessa dívida. Recursos que poderiam ser utilizados em políticas públicas ou em investimento acabam sendo drenados para o mercado financeiro.

TM – Qual a importância da NIB (Nova Indústria Brasil) para o país nessa perspectiva global dos avanços tecnológicos e transição energética?

Adriana – Vários países desenvolvidos estão investindo nas suas indústrias para poder garantir que estarão na vanguarda do desenvolvimento tecnológico e da produção industrial mundial. E por que esses países estão investindo nisso? Porque ter uma indústria potente é fundamental para garantir soberania nacional. É o setor que mais pode agregar valor e criar riqueza. É também um setor dinâmico que transborda esse dinamismo para outros segmentos da economia. Quando a indústria está crescendo, está se desenvolvendo, está com uma capacidade produtiva alta, outros serviços e comércios são puxados pela atividade industrial. E o que podemos observar nesse último período é que o Brasil perdeu essa capacidade, esse dinamismo industrial. O governo federal tem agora com a NIB a possibilidade de reindustrializar o país e também reindustrializar em segmentos que são os mais dinâmicos no atual paradigma tecnológico que a gente vive. E mais, essa proposta está ligada aos principais gargalos econômicos e sociais do Brasil. O governo montou uma política industrial que dialoga, que não vai só investir em uma empresa por investir, vai investir em determinado setor industrial que tenha relação com as necessidades do país.

Foto: Divulgação

TM – Como as questões relativas à emergência climática podem afetar o crescimento econômico do país?

Adriana – A agricultura, por exemplo, tem sido afetada por eventos extremos ou de muito calor, ou de muita chuva, ou de muita seca. Isso também pode afetar o crescimento econômico do país. Para isso, há uma cobrança mundial cada vez maior de que os processos produtivos sejam limpos, que a matriz energética seja renovável. O Brasil está fazendo esse debate, tem bastante respeito internacional em relação à transição, tem elaborado planos bastante inovadores. Agora, é preciso destacar duas questões. O Brasil está elaborando os planos de transição climática, tem pensado em todas as suas políticas em medidas transversais relacionadas a isso, mas temos dois gargalos. Um é quem vai pagar essa conta. Os países do Sul Global têm limites orçamentários para investir nessa transformação produtiva, então é preciso que seja feito esse debate mundialmente e que aqueles países que mais interferiram nas condições climáticas mundial possam financiar parte desses investimentos necessários nos países do Sul Global, como o Brasil. A segunda questão é que esses planos precisam ter, de modo muito claro, o que o movimento sindical tem chamado de política nacional de transição justa. Se vamos transitar para um modelo sustentável, também precisamos aproveitar para garantir a redução das desigualdades e apoiar os trabalhadores que vão ter que transitar nesta questão. Trabalhadores que hoje estão em empresas insustentáveis do ponto de vista ambiental, se essas empresas diminuírem sua produção ou reduzirem suas atividades, isso vai ter impacto no emprego. Esses trabalhadores vão acabar indo para outros segmentos, novos segmentos dessa nova economia verde, mas aí vão precisar de formação profissional. Tem muitas questões que vão afetar a classe trabalhadora que precisam também estar previstas neste plano e que o movimento sindical tem discutido em todos os espaços que tratam das emergências climáticas.