Numa fábrica da Nissan no Mississippi, uma batalha para moldar o futuro do UAW

Morris Mock, um técnico de pintura em Canton, Mississipi, na fábrica da Nissan, assinando uma petição em maio

O UAW (United Automobile Workers, sindicato estadunidense dos trabalhadores automotivos), desesperado por avanços no sul do país, região de tradição anti-sindical onde a Toyota, a Volkswagen e outras montadoras estrangeiras têm unidades, nunca antes tentou um esforço de sindicalização bem como o que tenta na fábrica da Nissan em Canton.

Ele aliciou o apoio de milhares de trabalhadores sindicalizados no Brasil para fazerem manifestações em frente a concessionárias da Nissan, justo agora que a empresa se prepara para co-patrocinar as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. O UAW enviou uma delegação de pastores e trabalhadores do Mississippi à África do Sul, onde a Nissan tem uma fábrica, para tentar envergonhar a empresa com acusações de que ela viola os direitos dos trabalhadores na unidade de Canton.

Nas próximas semanas, uma delegação de dirigentes e apoiadores do UAW irá a Tóquio e a Paris (onde a Renault, empresa parceira da Nissan, tem sua sede) para divulgar o relatório de autoria de um professor da Universidade de Cornell, que afirma que os gestores da Nissan ameaçaram fechar a fábrica do Mississippi caso os trabalhadores votassem a favor da sindicalização, o que é ilegal.

Estes esforços são em grande medida dirigidos ao diretor-presidente da Nissan, o franco-brasileiro Carlos Ghosn, um renomado cortador de custos que já avisou que a empresa prefere se comunicar com seus funcionários no Mississippi sem um sindicato.

Já nos Estados Unidos, o ator Danny Glover abraçou a causa do UAW, fazendo discursos em universidades em todo o sul do país para recrutar estudantes para distribuírem volantes em frente a concessionárias da Nissan. O sindicato também ajudou a criar um grupo de lideranças estudantis, comunitárias e religiosas, a Aliança do Mississippi por Justiça na Nissan, que inclui a NAACP (Associação Nacional pelo Progresso da População Negra). A aliança frequentemente usa o slogan “Direitos Trabalhistas São Direitos Civis”.

Num momento em que o UAW tem menos de um terço dos sócios que tinha em 1979 (1,5 milhão), seu esforço de sindicalização no sul adquire urgência e está sendo acompanhado de perto por dirigentes sindicais por todo o país.

“Ser exitoso no sul é uma questão de vida ou morte para o UAW,” diz Nelson Lichtenstein, professor de história social da Universidade da California, em Santa Barbara. “É por isso que eles puseram seus melhores organizadores nessa campanha.”

A batalha pela sindicalização tem causado profundas divisões entre os trabalhadores da fábrica reluzente e branca da Nissan que se estende por cerca de 1,3 km ao longo da rodovia Interestadual 55 e anualmente produz 450,000 Altimas, Sentras e outros veículos. As forças pró-sindicato dizem que muitos trabalhadores estão apoiando o UAW, enquanto os trabalhadores anti-sindicato insistem que o sindicato tem pouca chance de conseguir o apoio da maioria. Alguns trabalhadores anti-sindicato usam camisetas com os dizeres: “Se você quer um sindicato, mude-se para Detroit”.

Apesar dos fracassos do sindicato havidos no sul, Bob King, o presidente do UAW, está realizando na região a sua campanha mais ambiciosa até hoje. Além de Canton, ele também busca sindicalizar a fábrica da Volkswagen em Chattanooga, Tennessee, e a da Mercedes-Benz em Vance, Alabama.

“Bob King basicamente apostou seu legado em sindicalizar essas montadoras internacionais,” diz Kristin Dziczek, diretora do grupo de trabalho e indústria do Centro de Pesquisa Automotiva. “A não ser que eles sindicalizem uma parte maior dos trabalhadores automotivos do país, eles se tornarão ‘tomadores’ de salários e não ‘estabelecedores’ de salários.”

Segundo a Sra. Dziczek, se o UAW não conseguir ganhar nas fábricas das empresas estrangeiras no sul, elas acabarão derrubando os salários na General Motors, Ford e Chrysler. O sindicato se depara com um caminho penoso no Mississippi, diz ela, considerando a derrota embaraçosa que sofreu em 2001, quando os trabalhadores da fábrica da Nissan em Smyrna, Tennessee, votaram numa proporção de dois para um contra entrar para o UAW.

O Sr. King promete resultados melhores desta vez. “O que é diferente desta vez é que há apoio forte e ativo da comunidade,” diz ele. Observando que sindicatos japoneses, alemães, australianos e britânicos estão apoiando a luta no Mississippi, ele acrescenta: “Esse nível de pressão global sobre eles, apontando-os como violadores de direitos trabalhistas, fará uma grande diferença. Houve violações ultrajantes do direito de sindicalização dos trabalhadores.”

Dirigentes do sindicato dizem que não registraram reclamações perante o Conselho Nacional de Relações Trabalhistas, mas poderão fazê-lo. Ricardo Patah, presidente da gigantesca União Geral dos Trabalhadores do Brasil — que tem sete milhões de membros e prometeu fazer manifestações em frente a dezenas de concessionárias da Nissan — disse em uma entrevista: “Nós não vamos parar enquanto eles não tiverem um sindicato dentro da fábrica no Mississippi.”

A campanha de sindicalização certamente aumentou as tensões em Canton. Na pitoresca praça central da cidade, com seu elegante fórum construído antes da Guerra Civil, Sheaford Davidson, que ajuda a administrar uma empresa que produz lápides, comenta: “Somos um estado sem tradição sindical. Nos tempos da Revolução Industrial, dava para entender por que os sindicatos eram necessários, mas agora estamos em 2013, e eu não vejo a necessidade.”

Para o estado do Mississippi, ter ‘conseguido’ a Nissan foi um golpe. A fábrica de dez anos de idade foi a primeira do estado, e já atingiu 5.200 funcionários, o que faz da Nissan o segundo maior empregador do setor privado no estado, atrás apenas do estaleiro Ingalls Shipbuilding. Blake Wilson, presidente do Conselho Econômico do Mississippi, a câmara de comércio do estado, elogia a Nissan por criar milhares de empregos e por doar milhões de dólares para obras de caridade e para o sistema escolar de Canton.

“Em todo o sul do país, o espírito de um ambiente não-sindical tem sido um fator positivo para o crescimento de várias indústrias,” diz o Sr. Wilson. “O ambiente não-sindical tem sido uma vantagem de mercado para os estados do sul. Mas se isso começar a mudar, certamente será uma perda para a região.”

A Nissan investiu US$ 2 bilhões em sua fábrica de última geração, que usa 1.200 robôs. O salário-base para a maior parte dos trabalhadores da fábrica é de US$ 23,22 por hora, o que o torna objeto de inveja para muitos trabalhadores no Mississippi.

Não obstante, Morris Mock, musculoso técnico de pintura, apóia fortemente a sindicalização. “Temos gratidão pela vinda da Nissan ao Mississippi, mas à medida que fico mais velho, vejo que há questões relativas a segurança e ergonomia que precisam ser encaradas,” diz o Sr. Mock, 39, que trabalha na fábrica desde sua abertura. “A Nissan começou de um jeito, depois as coisas mudaram. Queremos nos assegurar de que nossas vozes sejam ouvidas.”

Muitos trabalhadores pró-sindicato reclamam que a empresa não escuta os trabalhadores tanto quanto eles gostariam, e bota os lesionados para trabalhar cedo demais. Muitos estão descontentes com o congelamento dos salários por cinco anos e com a contratação de centenas de trabalhadores temporários, muitos dos quais tem salários iniciais na faixa de US$ 12 por hora. Muitos trabalhadores experientes reclamam que são relegados a turnos noturnos porque os trabalhadores temporários frequentemente ficam com os turnos diurnos, mais desejados.

“Eles lhes dão os turnos mais fáceis para não irem embora,” diz Chip Wells, também técnico de pintura. “Eles ficam lado a lado conosco, desempenhando a mesma função, recebendo menos benefícios e salários mais baixos. Isso não é justo.”

O sindicato estima que 40% dos trabalhadores da produção são temporários. Eles não teriam direito de participar da votação sobre a adesão ao UAW. Representantes da empresa não quiseram revelar quantos são.

Claude Potter, 37, técnico de manutenção na montagem final, deixou seu emprego como vendedor de carros para trabalhar na Nissan dez anos atrás porque estava convencido que a remuneração seria mais estável.

“Não acho que devamos ter um sindicato,” diz o Sr. Potter. “Eu não preciso pagar alguém para que fale por mim. Se tenho um problema, posso procurar a pessoa em questão. A fábrica é perfeita? Não, mas eu nunca trabalhei num lugar que fosse perfeito.”

Camille Young, gerente de relações com a comunidade da Nissan em Canton, observa que a maior parte dos trabalhadores está prestes a receber um aumento de 55 centavos por hora neste mês. Quanto às reclamações sobre o congelamento dos salários, dirigentes da Nissan citaram o fato de que as montadoras de Detroit também tiveram um extenso período de congelamento, acrescentando que a fábrica de Canton não demitiu ninguém durante a recessão.

A questão mais emocionalmente pesada da batalha envolve as acusações de alguns trabalhadores pró-sindicato de que gerentes da Nissan tentaram intimidá-los.

“Eles disseram que as Três Grandes [Ford, GM e Chrysler] fecharam muitas fábricas porque elas eram sindicalizadas, e eles dizem que se nós nos sindicalizarmos, eles fecharão a nossa fábrica,” diz Betty Jones, cuja função é afixar peças em motores. “Muita gente que quer o sindicato acha que se falar disso abertamente, perderá o emprego.”

Justin Saia, porta-voz da Nissan, nega que gerentes tenham feito tais ameaças. “A Nissan é uma empresa que não tolera a intimidação de funcionários,” diz ele. “Isso não seria tolerado como parte de nossa cultura.”

Esse tipo de tensão não se verifica na fábrica da Volkswagen em Chattanooga. No mês passado, o diretor regional do UAW disse que a maioria dos 2.000 trabalhadores da fábrica já havia assinado cartões em apoio à sindicalização.

Ademais, a Volkswagen — sob pressão do poderoso sindicato IG Metall na Alemanha — já disse que cooperaria com o UAW para formar uma comissão de fábrica em Chattanooga. Tais comissões, comuns na Alemanha, incluem trabalhadores da produção e da administração, e trabalham com os gestores para aumentar a produtividade e administrar as regras da fábrica.

Dirigentes do UAW reconhecem que segundo a legislação dos Estados Unidos, a fábrica da Volkswagen precisaria ser sindicalizada primeiramente. Eles estão instando a Volkswagen a reconhecer o sindicato com base na maioria dos cartões de apoio que dizem terem sido assinados. Mas grupos apoiados pelo setor empresarial como o Workplace Fairness Institute são a favor de uma votação secreta.

“Há muita pressão sobre a VW para reconhecer o sindicato,” diz Lowell Turner, professor de relações trabalhistas internacionais na Universidade de Cornell. “Algo como 61 de suas 62 fábricas pelo mundo têm sindicatos e comissões de fábrica. A única que não tem é a de Chattanooga.”

Reconhecendo que enfrenta uma briga mais encarniçada no Mississippi, o UAW fez uma reivindicação inusitada. O sindicato quer que a Nissan subscreva ao que ele chama de “princípios para uma eleição justa” que permitiriam que seus organizadores tivessem tempo igual nas dependências da empresa — para fazer frente a o que o sindicato diz terem sido numerosas reuniões e vídeos anti-sindicais. O Sr. King diz que o sindicato não convocará oficialmente uma votação até que a Nissan entre em acordo para respeitar estes princípios.

Como muitos de seus colegas, a Sra. Jones expressa sua frustração com o fato de que os trabalhadores de Canton em geral ganham 2 dólares a menos por hora que os trabalhadores da Nissan em Smyrna. A empresa diz que os trabalhadores da fábrica do Tennessee, que tem 30 anos, têm mais experiência.

Explicando por que é a favor do sindicato, ela diz: “É claro que eu posso falar com você o dia inteiro, mas se eu não estou numa mesa [de negociação] com você quando você está tomando uma decisão sobre segurança, sobre a minha saúde, meu salário, eu não tenho qualquer impacto sobre a minha situação. Mas se eu tenho 100.000 pessoas por trás de mim na mesa, isto fará a diferença.”

Representantes da Nissan dizem que a empresa já cumpre todos os requisitos legais com respeito a esforços de sindicalização.

“A Nissan tem se comprometido a seguir estritamente a legislação quanto aos requisitos da NLRB [Conselho Nacional de Relações Trabalhistas],” diz a Sra. Young, gerente de relações com a comunidade. “A Nissan tem grande respeito pelo direito de nossos funcionários de escolher quem os representa.”

Mas representantes do sindicato alertam que vão escalar a luta se não tiverem acesso aos trabalhadores igual ao da Nissan. “As montadoras se preocupam muito com a imagem de sua marca,” diz o Sr. King. “Quando temos esses sindicatos parceiros pelo mundo afora e eles vêem que você está violando direitos básicos dos trabalhadores nos EUA, isto causa dano às suas relações em todos esses lugares, e também causa dano à imagem da sua marca.”

Ainda assim, Stephanie Sutton, técnica de pintura há 10 anos, insiste que o sindicato tem menos apoio do que acha. Ela diz que muitos trabalhadores expressaram apoio à sindicalização para pressionar a Nissan a conceder aumentos salariais maiores, mas que não votariam a favor do UAW.

“Muitas pessoas falam a falação, mas não sei se elas se levantarão quando for pra valer,” diz ela.

Do The New York Times