O ABC também tem índios

O ABC também tem índiosJoão Batista dos Santos tinha 17 anos em 1955, quando um caminhão estacionou na aldeia de Brejo dos Padres, em Pernambuco, e o motorista convidou ele e outros 34 índios para trabalhar em São Paulo.

A fome e a falta de perspectivas convenceram todos a aceitarem a proposta. Viajaram na carroceria de um caminhão e 13 dias depois desembarcaram na Serra do Mar, em São Bernardo, na época uma autêntica selva.

Durante os dois anos seguintes ficaram presos em um galpão, só com a roupa do corpo. Saiam apenas para cortar lenha. Ninguém fugiu.O capataz dissera que os aviões matariam quem tentasse escapar. Todos acreditaram. Nunca tinham visto um avião.

João Batista é um dos cerca de 50 índios Pankararus que moram no Jardim Ana Maria e seu entorno, em Mauá, e chegaram no ABC há 20 ou 30 anos.

Eles fazem parte das chamadas tribos urbanas, que reúne cerca de 3.800 representantes das etnias Pataxó, Guarani, Fulniô, Pankararu, Kariri-Xocó e Xavante nas sete cidades da região. Em torno de 54 famílias já foram localizadas, mas deve haver muito mais índios verdadeiros espalhados pelo ABC.

>> O difícil reconhecimento cultural

A situação econômica dos indígenas no ABC é ruim. Segundo Marcos Júlio Aguiar, coordenador do projeto Índios Urbanos, entre 60% e 70% deles moram em favelas ou áreas pobres. A maior parte dos homens vive de bicos, a maioria das mulheres é doméstica e metade delas tem dois empregos.

De acordo com Marcos, é muito difícil fazer a sociedade reconhecer os indígenas de áreas urbanas como eles realmente são, respeitando sua cultura, religiosidade e costumes. Também é difícil fazer com que os índios falem de sua origem.

O índio João Batista revelou há apenas um ano a seus vizinhos que é Pankararu, apesar de morar no mesmo local desde 1965. “Até hoje não me sinto um habitante da cidade”, revela.

Para vencer as barreiras dos dois lados, Marcos encontra apoio na Prefeitura de Mauá, onde desenvolve junto com os professores um trabalho de visita dos índios às escolas. O projeto pode ser implantado também em Santo André e São Bernardo.

>> De volta

Marcos entende que se se olhar a comunidade indígena pela ótica de seus problemas, pouco há para comemorar no Dia do Índio. Mas ele é otimista com seu projeto que procura buscar novos caminhos e mostrar basicamente duas coisas à comunidade: o índio na cidade não deixou de ser índio e também não perdeu sua cultura, guardou-a para si. “Quando isto for compreendido será dado um grande passo em favor deles”, conclui

João Batista, por exemplo, de vez em quando retorna à aldeia de Brejo dos Padres, sempre acompanhado da mulher Ediviges, também Pankararu e nascida lá.

Na aldeia, retoma suas origens e participa dos rituais que marcaram sua infância. O principal é uma dança que envolve todos os homens da tribo e dura o dia inteiro.

Até os 12 anos, João Batista e Ediviges – que são primos – viviam nus com as demais crianças da aldeia, que contava com 600 indígenas. Hoje são milhares. O fim da caça e colheitas insuficientes para alimentar a todos faz com eles procurem novos locais. A fome e miséria são comuns. João Batista é dos poucos que conseguiu comprar um pequeno sítio e plantar uma roça na propriedade.