O Bom Senso e as batalhas por mudanças no esporte
No mundo mágico do futebol vendido pela TV, atuam apenas 5% dos jogadores do Brasil. Para os outros 95% às vezes faltam até chuteiras
Em 21 de julho, oito dias depois da final da Copa, vencida pela Alemanha, a presidenta Dilma Rousseff recebeu três representantes do Bom Senso F.C., Dida, Ruy Cabeção e Aline, para tentar aprofundar o debate sobre reestruturação do esporte no país. Três itens, entre outros, estavam na pauta: o projeto sobre responsabilidade fiscal, que tramita no Congresso, a participação de atletas nas entidades e a criação de um Plano Nacional de Desenvolvimento do Futebol.
Foi mais um passo dado pelo Bom Senso, que começou a atuar no ano passado. Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o goleiro Fernando Prass, representante do grupo, disse que tudo começou a partir de uma discussão entre alguns jogadores sobre o calendário do futebol brasileiro. Muitos jogos por semana nas séries A e B, e falta de condições para equipes menores para assegurar atividades durante a maior parte do ano.
Prass defende uma “uma ação multidisclipinar para começar a resolver problemas graves do futebol brasileiro”. Para ele, dizer que se trata de um movimento de atletas de elite é desinformação. “A maioria desses jogadores não precisaria sequer se preocupar com isso. São jogadores que não usufruirão desses benefícios que estão reivindicando, caso venham a ser conquistados. Nossa visibilidade maior permite que os problemas tenham também uma visibilidade.”
Ele cita uma outra reunião com Dilma, onde estava um rapaz cujo filho de 10 anos passou por 15 escolas. “Uma criança com essa idade passar por tantas escolas é claro que vai ter sua educação comprometida. Isso é mais do que corriqueiro no Brasil”, afirma.
O jogador, hoje no Palmeiras, também fez críticas aos meios de comunicação, que vendem um “mundo mágico”, apenas com as principais séries brasileiras e europeias, “onde estão no máximo 5% dos jogadores”. E relatou situações de atletas que passam boa parte do ano, após os campeonatos estaduais, trabalhando em escolinhas de futebol, no caixa do supermercado, na construção civil. Passam três quatro meses até arranjar outro emprego, e depois saem de novo, e vão à procura de outro, e mudam de times três quatro vezes no ano. “Essa é a realidade para mais de 90% dos jogadores de futebol do Brasil, e contas tem todo mês. E a maioria não consegue fazer uma reserva para se manter”, observa.
Sobre o fracasso da Selecão na Copa, ele pede cuidado, afirmando que é “covardia” tomar o jogo contra a Alemanha como parâmetro. “Acho que tem de olhar com muito cuidado para não se cometer injustiças, que se julgue tudo que se faz no Brasil é errado, que todos os jogadores são ruins, e que tudo da Alemanha é bom. Com certeza a Alemanha está na nossa frente em termos de organização e de qualidade, mas é preciso se fazer uma análise muito mais ampla.” A derrota, para ele, pode esconder problemas, em vez de escancará-los. “Assim como uma grande vitória, como aqueles 3 a 0 contra a Espanha (na Copa das Confederações, em 2013) de repente encobriu alguma coisa também.”
Ele acredita que as propostas do Bom Senso poderão trazer resultados a longo prazo. “Dando melhor estrutura financeira, física, condição de formação, uma gestão mais profissional, isso vai refletir diretamente nos jogadores. Tem de começar pela base da pirâmide.”
O plano nacional proposto pelos jogadores passa por mudanças no calendário e regras para administração dos clubes, com punição para quem gastar mais do que arrecadar, investimento mínimo nas categorias de base e capacitação profissional. “Oposição vai ter sempre. A nossa maior força é a nossa argumentação. Ainda creio que tem mais gente no Brasil que queira futebol fortalecido do que o contrário.”
Novos tempos. Novos?
Depois do fiasco do futebol brasileiro na Copa, especialmente com o inesquecível 7 a 1 diante da Alemanha, aumentou a pressão por reformulações dentro e fora de campo. De imediato, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) demitiu toda a comissão técnica. Começou a especulação sobre quem seria o novo treinador – poderia ser um estrangeiro?
No intervalo de uma semana, ainda em julho, foram anunciados o coordenador, Gilmar Rinaldi, e o técnico: Dunga. Alguns lembraram de uma célebre frase do romance O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa: é preciso que tudo mude para que tudo continue como está.
Ambos são ex-jogadores. Gilmar foi bom goleiro. Dunga, um bom volante. O primeiro tornou-se empresário de jogadores.
O segundo ainda não emplacou como técnico. Dirigiu apenas a seleção brasileira e, por menos de um ano, sem brilho, o Internacional de Porto
Alegre. Ambos representam dúvidas se podem personificar as mudanças pelas quais se clama.
O fato de Gilmar ter longa atuação como empresário deixa um rastro de desconfiança. Ele declarou que já esperava receber “pancadas” e ter sua vida devassada. Disse que responderá os críticos com trabalho. “Não adianta explicar, tem de mostrar”, afirmou, destacando talento, trabalho e planejamento como os três pilares da nova era Dunga.
Será a terceira. Começou como bode expiatório da eliminação brasileira na Copa de 1990, contra a Argentina, atingiu o ápice na conquista do tetra em 1994, marcada por um futebol burocrático, e terminou na melancólica derrota para a França, na final de 1998. A segunda foi em 2010, com campanha razoável, derrota súbita para a Holanda nas quartas de final e muitas, muitas brigas com jornalistas, tendo a Globo como face mais visível.
Os desafios estão próximos. No ano que vem, começam as eliminatórias para o Mundial de 2018, na Rússia. Em 2016, tem Copa das Américas. No ano seguinte, Copa das Confederações. Entre os adversários do futebol brasileiro, além de seleções mais evoluídas e organizadas, está a resistência de cartolas que não gostariam de mexer em time que está ganhando: o deles.
Da Rede Brasil Atual