O Brasil em Brasília

Em agosto, manifestantes ocuparam Brasília por duas vezes, dias 15 e 22, para levar ao centro do poder uma agenda de reivindicações que a mídia prefere ignorar.

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Tânia e Daiane: na capital pela primeira vez

Por José Luís Frare

A capital federal ficou bonita no último dia 15 de agosto, quando uma multidão ocupou a cidade, deu “aquele abraço” no Congresso Nacional e deixou um alerta aos parlamentares. Mais de 20 mil pessoas de todo o país, segundo os organizadores, participaram do Dia Nacional de Mobilização organizado pela CUT, em torno de projetos em tramitação no Congresso Nacional que mexem com direitos e interesses dos trabalhadores (veja quadro na página ao lado). Já na madrugada da véspera, caravanas começavam a desembocar na Esplanada dos Ministérios. As pessoas desciam dos ônibus, algumas depois de 48 horas de viagem, e se dirigiam a uma grande tenda branca armada no canteiro central, quase em frente à catedral desenhada por Oscar Niemeyer. Muitos estavam ali pela primeira vez e queriam ver de perto os famosos edifícios dos cartões-postais, fotografar, flanar pelo amplo canteiro.

O ato, desprezado pelos meios de comunicação, habituados a empurrar à opinião pública agendas como as de reformas que reduzam direitos previdenciários e trabalhistas, não foi exatamente um movimento hostil ao governo federal – possivelmente a maioria ali era de eleitores de Lula. Mas se não é para hostilizar, para que tantas caravanas? Por se tratar de um governo com várias forças políticas apitando, é a mobilização social que vai definir para que lado as ações do Executivo e do Legislativo vão pender.

“Tem alguém cansado aí?”, ecoa o brado vindo do carro de som à frente da marcha. São 10h20 e a multidão põe-se a caminhar. Competindo em desvantagem, Vinícius Dantas, de 25 anos, estudante de Biologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), se esgoela no megafone para se fazer ouvir e manter unidos os 15 integrantes da delegação vinda da cidade do interior paulista em uma van alugada.

“Viemos para reivindicar do Ministério da Educação uma rubrica específica de 200 milhões de reais para assistência estudantil, que permitirá o aumento das bolsas-atividade, a construção de mais dois blocos de moradias e a circulação de mais ônibus no campus da nossa universidade”, explica Vinícius.

À frente do grupo de estudantes segue Cleusa Maria de Jesus Sanches, de 55 anos, baiana radicada em São Bernardo do Campo desde os 18. Desempregada como o marido, ex-metalúrgico, Cleusa sobrevive “vendendo bugigangas”. Apesar de otimista com os rumos do país, ela não vê razões para acomodação. “Estamos aqui para pressionar o governo e o Congresso para que tomem medidas por um Brasil melhor.”

Edilberto Guimarães de Souza, de 44 anos e há 20 trabalhando como funcionário da Prefeitura de Uberlândia (MG), reitera: “Essa manifestação não é contra o governo, mas contra as medidas que o governo e o Congresso possam adotar e que sejam contrárias às propostas que deram 58 milhões de votos ao presidente”, justifica.

Uma delegação de 86 catarinenses de Chapecó e de Concórdia apressa o passo para não ficar para trás. Puxando o bloco, dois homens fantasiados de frango empurram duas cadeiras de rodas com “doentes” enfaixados até a cabeça. Denunciam as condições de trabalho a que são submetidos nos frigoríficos. Em Concórdia, a recém-criada Associação dos Portadores de Lesão por Esforços Repetitivos reúne 410 lesionados. “Trabalho desde os 14 anos na indústria alimentícia e há sete vivo de auxílio-acidente”, conta Airton Rodrigues, 38 anos, pai de dois filhos. “Para vender frango barato lá fora, os frigoríficos aumentam a exploração e aceleram as nórias, correntes que transportam os frangos dentro das unidades e ditam o ritmo da produção.”

Valdir Titão, 47 anos, acompanha Airton e está ansioso para falar. Ele é pequeno proprietário rural em Concórdia. Tem um sítio de 18 hectares que herdou do p