“O Brasil não vive crise”, diz presidente da Wal-Mart no Brasil
Executivo do maior varejista dos EUA afirm que rede existe "para momentos como este" e que Brasil vive só turbulência. Nuñez prevê que consumo dobre no país de 5 a 10 anos e diz que empresa vai contratar mais funcionários e crescer neste ano
O presidente do Wal-Mart Brasil, Héctor Núñez, que prevê crescimento da rede no Brasil muito acima de 2% e novas contratações. Ele é categórico: o Brasil não vive uma crise. “Quem está em crise é o mundo”, diz Núñez, de origem cubana. “O Brasil enfrenta apenas mais um momento turbulento.”
Sem sentir redução nas vendas em nenhum mês do ano passado e com janeiro e fevereiro superando as metas, o Wal-Mart manteve investimentos, que serão direcionados principalmente para o público de menor poder aquisitivo. Núñez espera que o consumo dobre no Brasil nos próximos cinco anos, como afirma na entrevista a seguir.
FOLHA – Como foram os últimos meses do Wal-Mart no Brasil?
HÉCTOR NÚÑEZ – Antes de mais nada, é preciso ressaltar que quem está em crise é o mundo. O Brasil vive apenas um momento turbulento, e isso é um fato, mostrado pelo consumo. Eventualmente, o consumo de alguns bens duráveis de alto valor pode estar sofrendo. Mas, os últimos meses para nós têm sido acima das expectativas do que tínhamos planejado em 2007 para 2008. O Wal-Mart foi concebido para momentos como este. Todo o varejo nos Estados Unidos tem tido declínio ao longo dos últimos seis, sete meses de duplo dígito. Enquanto isso, o Wal-Mart cresce. Nossa proposta é vender por menos, para as pessoas viverem melhor e elas reconhecem isso.
FOLHA – Como essa estratégia tem funcionado na prática?
NÚÑEZ – Fazemos muita pesquisa de preço para assegurar que de fato entregamos a proposta de ser mais baratos que o concorrente. E nossos tíquetes são de 8% a 10% mais baratos que os principais concorrentes de cada praça. [Para chegar lá] temos negociações muito claras e transparentes com os fornecedores. Eliminamos custos na cadeia de valor, como ineficiências logísticas, merchandising e tudo o que não é vital. Também somos uma operação de custo baixo. Além disso, oferecemos acesso ao crédito para o cliente, com nossa parceria com o Hipercard, do Unibanco. Temos 10 milhões de cartões, para clientes de todos os níveis sociais e com várias taxas. A junção disso tudo nos permite manter a rentabilidade e os custos mais baixos.
FOLHA – Quais práticas se acentuaram na crise?
NÚÑEZ – Focamos ainda mais em reduzir custos internos, bem como no objetivo de crescer. Cresceremos bem mais do que o PIB em 2009, que acreditamos será de 2%. Ninguém aqui fala de cortes. Tem racionalização de despesas, mas não haverá demissões, ao contrário. Vamos contratar 10 mil pessoas, como parte do plano de expansão de 90 lojas. Investiremos entre R$ 1,6 a R$ 1,8 bilhão em 2009. Estamos aqui para o longo prazo e a crise mundial não é a primeira e nem será a última.
FOLHA – Dá para investir mesmo sem saber se o consumidor terá emprego e capacidade de pagar?
NÚÑEZ – Sem dúvida. O salário mínimo está aumentando, o Bolsa Família no Nordeste está ganhando velocidade, o consumo per capita no país é mais baixo que em outros países grandes e o nível de acesso a crédito é o menor do mundo. Este é um momento turbulento, mas é apenas um momento. Uma hora ele acaba e, depois disso, vamos continuar.
FOLHA – Vocês inauguraram uma loja para a comunidade no Nordeste, voltada para o público de menor poder aquisitivo. A empresa vai priorizar esse consumidor?
NÚÑEZ – As lojas para a comunidade estão indo muito bem, e os indicadores mostram que estamos falando bem com essas comunidades. O número de pessoas que busca os serviços do centro comunitário supera o que esperávamos de tráfego, que gera fluxo para a loja. Já abrimos três lojas e temos mais duas na fila. Vamos fazer alguns ajustes e devemos trazê-las para o Sul e o Sudeste. Nosso foco dos investimentos está muito voltado à classe de menor renda com a marca atacadista Maxxi e o supermercado de bairro Todo Dia.
Estamos bem focados na classe de menor renda e trazemos uma proposta de valor de acesso que as pessoas precisam e é imbatível. Essa classe média emergente é 70% da população brasileira. Fazemos uma pesquisa interna para medir a confiança do consumidor, e algumas regiões mais do que outras têm preocupações mas, todas, sem exceção, mostram confiança no país no médio e longo prazos. No curto prazo, todos entendem que há uma incerteza, mas vamos continuar com nossa vida. O brasileiro já passou por tantas crises. Essa é só mais uma.
FOLHA – Como está o Wal-Mart Brasil dentro do grupo?
NÚÑEZ – Está muito bem, nos quesitos de crescimento e investimento. Algumas regiões estão sofrendo mais com a crise global do que outras. [Mesmo nos] nos Estados Unidos crescemos 2% [em janeiro]. Haverá ajuste de quadros, mas são 2 milhões de pessoas trabalhando no Wal-Mart nos Estados Unidos. O ajuste, para se preparar para um momento de crise, é de zero vírgula zero zero alguma coisa. É mínimo. O crescimento nos Estados Unidos se dá em todas as categorias e não só na básica. Para o tamanho da crise, estamos indo bem.
FOLHA – O Pão de Açúcar anunciou recentemente a criação de um grupo de fusões e aquisições para estudar oportunidades que surjam com a crise. O Wal-Mart pensa em crescer por aquisições?
NÚÑEZ – Estamos abertos a qualquer oportunidade que possa existir. Mas não há 40 varejistas batendo na nossa porta para serem comprados.
FOLHA – Janeiro foi um bom mês?
NÚÑEZ – Foi um bom mês, mas não houve surpresa, entregamos um pouco acima de nossa meta. Fizemos o plano em agosto e setembro e atingimos o objetivo porque há consumo, e não há crise. As pessoas precisam continuar comendo e tomando banho. Quantos momentos difíceis não passou o Brasil nos últimos 20 anos?
FOLHA – E os próximos meses?
NÚÑEZ – Eles pintam bem. Vai ser um bom Carnaval. Nos piores momentos do Brasil, que foram infinitamente piores do que o que vivemos hoje, as pessoas saíam para o Carnaval, saíam de férias e o continuam fazendo agora. O consumo hoje, no Brasil, é muito baixo. Ele deve duplicar nos próximos cinco a dez anos. Há muito espaço para crescer. Este é o momento de investir para, quando a economia voltar, estarmos mais fortes.
Da Folha de S. Paulo