O Estado não pode substituir os sindicatos

Em artigo publicado no jornal Diário do Grande ABC no sábado (5), o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, afirma que "somente o fortalecimento das relações de trabalho, por meio do prestígio às negociações entre sindicatos e empresas, poderá modificar (e já o faz) para melhor esse cenário"

Abaixo a integra do artigo escrito por Sérgio Nobre

 

A partir de 21 de agosto, todas as empresas do País que usam ponto eletrônico para controlar acesso/jornada dos trabalhadores serão obrigadas a trocar os equipamentos (segundo fabricantes, há dois milhões dessas máquinas no Brasil). Empregadores terão de entrar na fila para comprar relógios com tecnologia para imprimir cupom fiscal. Trabalhadores também vão enfrentar fila para obter comprovante com horários de entrada, saída e intervalos a cada passagem pela tal máquina poderosa. Toda essa nova parafernália terá de ser aferida e homologada pelo Ministério do Trabalho, embora o controle eletrônico de ponto já esteja previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

A mudança é resultado da Portaria 1.510, do Ministério do Trabalho e Emprego, com seus 31 artigos recheados de requisitos e exigências espetaculares. Publicado em 21 de agosto de 2009, o documento passa ao Estado o controle sobre a jornada de trabalho. Autoritária, a portaria foi elaborada sem consultar trabalhadores e empresários com o alegado, e até louvável, objetivo de evitar ações fraudulentas. 

Que há fraudes é fato e que o combate a elas merece todo nosso apoio, também. O problema é que a portaria coloca todas as empresas no mesmo nível, como fraudadoras, e despreza a capacidade fiscalizadora de sindicatos e trabalhadores.  

Até agora, seis meses após a publicação das novas regras, ninguém sabe qual será o real custo para os empregadores. Para o trabalhador já é possível prever, porém, que nas empresas com milhares de empregados, imensas filas marcarão os horários de entrada e saída à espera da impressão do comprovante de ponto. 

Se o tamanho da conta ainda é desconhecido, os prejuízos são claros: além de desprestigiar a negociação coletiva, a portaria desconsidera os sindicatos legítimos e representativos e as convenções e acordos coletivos conquistados a base de negociações conforme a realidade dos trabalhadores em seus locais de trabalho.

Sob a mesma lógica da não negociação está no forno projeto de lei interministerial que torna obrigatório o pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) correspondente a 5% do lucro líquido das empresas. Mais uma vez, os sindicatos, logo os trabalhadores, foram excluídos do debate. Empresas também. 

A proposta descontentou a todos ao passar por cima da legislação atual, que já prevê a negociação direta entre empregadores e trabalhadores. Além de mecanismo para aumentar a renda do trabalhador, a PLR é uma possibilidade de democratização da gestão da empresa. Por isso, se aprovado, o projeto de lei criará muita confusão porque já há 15 anos existem modelos de negociação de participação nos lucros construídos e legitimados. 

O Judiciário também tem complicado a vida dos trabalhadores. Orientação jurisprudencial (OJ) 342/2004 afirma que é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho que reduza intervalo de refeição. A OJ, reeditada no final do ano passado, ignora a Portaria 42/2007, do Ministério do Trabalho, cujo artigo 1° diz que “o intervalo para repouso ou alimentação (…) poderá ser reduzido por convenção ou acordo coletivo de trabalho, devidamente aprovado pelos trabalhadores em assembléia geral”. 

Há vários anos, empresas em todo o Brasil reduziram horário de almoço por meio de acordos coletivos negociados por sindicatos e aprovados pelos trabalhadores. Como resultado, milhares de homens e mulheres podem dedicar mais tempo à família, ao lazer e aos estudos porque tiveram a jornada diminuída na semana ou conquistaram sábados livres. A “orientação” do Tribunal Superior do Trabalho tem criado problemas e colocado em risco essa conquista. 

Interferências indevidas como essas evidenciam que as relações de trabalho no Brasil ainda sofrem os impactos negativos da ditadura Vargas. Oito décadas após a criação dessa estrutura corporativa inspirada no fascismo, o tempo só confirmou que sua principal característica era, e continua sendo, exercer controle sobre a ação dos trabalhadores e suas organizações. 

É real que o governo Vargas inaugurou nova era para os trabalhadores ao promover o reconhecimento dos seus direitos individuais, mas o custo foi a atrofia dos direitos coletivos. Como uma lei anacrônica é melhor que nenhuma proteção, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, tem papel a cumprir em um Brasil onde ainda existe trabalho escravo, empresas socialmente irresponsáveis e parte do movimento sindical sem representatividade. Porém, a legislação não pode impor aos trabalhadores algo que eles não querem. 

Não há razão para o Estado substituir a relação capital e trabalho. O Estado tem de entender que o movimento sindical brasileiro precisa ser reconhecido e legitimado. É sua função (do Estado) valorizar a negociação coletiva em vez de fabricar portarias e leis de ocasião à sombra de gabinetes distantes do chão de fábrica e da realidade dos trabalhadores. Porque não há melhor fiscal do trabalho que o próprio trabalhador, quando investido de poder e liberdade para isso. 

O Brasil caminha para se tornar a 5ª potência econômica mundial, mas para tanto a modernidade não pode chegar somente à economia. É urgente modernizar as relações de trabalho.  

Sérgio Nobre, 44, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC