O significado político da greve de fome de Evo Morales
As adesões ao protesto do presidente boliviano para forçar o Congresso a aprovar uma nova lei eleitoral se massificaram por toda a Bolívia nos últimos dias. A oposição, que deixou sem quorum a sessão do Congresso, após a aprovação dos termos gerais da nova legislação eleitoral, negou-se a voltar ao Parlamento. "Seguramente, pensaram em me vencer pelo cansaço", disse o presidente Evo Morales, que já esteve em outras greves de fome desde que ingressou na luta sindical campesina, em 1985
Após as primeiras 30 horas de greve de fome, o presidente da Bolívia, Evo Morales, passou sem problemas pelo primeiro exame médico, realizado pelo ministro da Saúde, e pediu a seus seguidores que suspendam o jejum até a segunda-feira, para não prejudicar as celebrações da Páscoa. No entanto, as adesões à greve de fome para forçar o Congresso a aprovar uma nova lei eleitoral se massificaram em todo o país nos últimos dias. A oposição, que na quinta-feira deixou sem quorum a sessão do Congresso, após a aprovação dos termos gerais da nova legislação eleitoral, negou-se e voltar ao parlamento, apesar dos insistentes pedidos do vice-presidente boliviano e presidente do Congresso, Álvaro García Linera, que se comprometeu a cumprir os acordos firmados em uma comissão de concertação.
“Vou esgotar todas as instâncias possíveis, empregarei tudo o que estiver ao meu alcance para conseguir com que os opositores não fujam de seu trabalho e estejam aqui, ainda que na base de gritos e insultos, para defender seu ponto de vista”, sustentou a segunda autoridade boliviana, enquanto se via obrigado a declarar uma nova interrupção nos trabalhos. Os adjetivos que Linera recebeu na véspera não foram poucos: “maricón”, “terrorista fracassado” – em referência ao seu passado guerrilheiro – foram algumas das expressões usadas por parlamentares de direita na maratona de 24 horas que marcou a sessão que terminou com a saída da oposição logo após a aprovação dos termos gerais da lei. Essa norma é necessária para cumprir com o mandato da nova Constituição que definiu a realização de eleições presidenciais e parlamentares no dia 6 de dezembro deste ano.
A principal reivindicação da direita é refazer desde zero todo o padrão eleitoral, o que é considerado por Evo Morales como uma tentativa de sabotar as eleições. Nesta disputa – a quarta desde sua chegada ao poder em 2006 – o presidente boliviano buscará sua reeleição, prevista na nova Constituição por uma única vez. Em que pese a imagem exótica de ver um presidente em um pequeno colchão com uma dieta de água e balas, Evo Morales, de 49 anos, está mais do que curtido nestas questões. “Seguramente, pensaram em me vencer pelo cansaço”, ironizou Morales, ao mesmo tempo em que recordava que já esteve em outras greves de fome desde que ingressou na luta sindical campesina, em 1985, como a que realizou em 2002, logo depois de sua expulsão do Congresso, quando ficou mais de 18 dias em jejum.
Fontes do governo e da oposição concordam que, tecnicamente, há acordo e que falta apenas a decisão política de aprovar a norma. “A lei vai ser aprovada, mas é melhor que seja no marco de um consenso amplo”, assinalou o senador moderado de oposição, Carlos Börth, que calculou em um mil o número de pessoas que aderiram à greve de fome no país. A oposição teme especialmente o voto dos bolivianos no exterior, sobretudo o dos residentes na Argentina, em sua maioria de origem campesina. E não confia na transparência da contagem de votos nas embaixadas. A isto soma-se uma discussão acerca do número de circunscrições especiais indígenas, que buscam garantir a representação das etnias minoritárias. A oposição diz que o apoio de quase 100% à nova Constituição, registrado em algumas comunidades rurais, seria uma prova de fraude.
Para o governo, a “unanimidade” é uma simples constatação das práticas indígenas: decide-se em assembléia em quem votar e depois se vai às urnas para cumprir o que foi decidido. E o crescimento do padrão eleitoral é resultado da inclusão cidadã mediante o fornecimento de documento de identidade aos camponeses. Em meio à carência de líderes nacionais de oposição, nos últimos meses cresceu a figura do ex-vice-presidente aymara Victor Hugo Cárdenas, que teve sua casa “expropriada” por indígenas há poucos dias, por ter chamado voto “não” à Constituição. Mas seu passado como vice de Gonzalo Sánchez de Lozada – que fugiu do país, foi morar nos Estados Unidos e é processado pela repressão na guerra do gás de 2003 – parece uma hipoteca difícil de resgatar na hora de competir com Evo Morales pela presidência da República.
Da Agência Carta Maior