OIT e negociação em defesa do trabalho decente
Dirigentes que participaram nesta quarta-feira (11) da oficina da CUT para construção de uma Agenda do Trabalho Decente elegeram a formação, a organização dos trabalhadores no local de trabalho e a negociação coletiva como fundamentais para defender o emprego digno.
A mesa composta por lideranças dos ramos cutistas assinalou problemas como a precarização causada pela terceirização, um dos obstáculos apontados por Antonio Lucas Filho, secretário nacional da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura). “O trabalho escravo é fruto da terceirização. Onde o Estado está ausente, como na intermediação da mão de obra no campo, prevalece a figura do gato, que tem o controle sobre os trabalhadores.”
Filho também discutiu a situação delicada dos migrantes que deixam seus estados de origem para trabalhar na safra da cana em São Paulo e depois retornam para a região de onde partiram, dando continuidade às atividades desgastantes, muita vezes isolados em alojamentos como forma de se dedicarem exclusivamente ao trabalho.
O dirigente falou ainda sobre a discriminação por gênero e raça presente no setor. “As mulheres são colocadas nas piores funções, pegando a cana que cai do caminhão. E mesmo assim, por não serem tão fortes quanto os homens, estão cada vez mais ausentes. Já os encarregados são normalmente do sul. Nordestinos e negros não costumam ocupar esses cargos”, avaliou.
Em relação ao Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar, lançado em 2009 para eliminar as situações degradantes no campo, Antônio Filho disse que a pressão patronal impediu o documento de ser aprovado como uma convenção coletiva nacional. A sugestão de que o trabalhador que perdesse o emprego graças à mecanização no campo passasse por uma qualificação para atuar com as máquinas ou para aprender a lidar com terra também causou reação furiosa dos latifundiários pela simples menção ao aprofundamento da reforma agrária.
Para o dirigente da Contag, falta acompanhamento do poder público sobre o compromisso. “Apesar de ser um pacto voluntário, não está sendo feito um monitoramento”, criticou.
Incentivo à precarização
Representante do setor do vestuário, Francisca Trajano, presidente da CNTV (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Vestuário), denunciou a interferência do Ministério Público, especialmente no Nordeste, na ação sindical. “Em muitos casos, quando o sindicato solicita a fiscalização para apontar irregularidades, ao invés de defenderem os trabalhadores eles dizem que a empresa não tem como arcar com aquilo que foi definido na convenção coletiva.”
Da mesma forma que o companheiro da Contag, Cida tratou da transferência de empresas para a região em busca de jovens, que deixam a agricultura para trabalhar na confecção. “Como as empresas tem facilidade para deixar um estado, utilizam mão-de-obra por um determinado tempo. Ao perceberem o número de trabalhadores doentes, alegam que não estão tendo mais incentivo fiscal e partem para um outro lugar.”
Outra semelhança com o ramo rural é a grande presença de migrantes, especialmente em território paulista, e a forte incidência de terceirização. “No nosso caso já é quarteirização, quinteirização, não sei nem mais como chamar porque há muitos atravessadores. As lojas contratam empresas para confeccionar as roupas, que por sua vez repassam o serviço para trabalhadores domiciliares sem carteira assinada ou qualquer benefício”, afirmou.
Segundo ela, os problemas também se repetem na jornada de trabalho exaustiva, que afeta a saúde dos empregados. “Devido ao setor não ter grande qualidade de casos de mutilações, fica difícil expor aos trabalhadores o que é acidente de trabalho. Muitas vezes não observam que o assédio moral, causa de doenças como a depressão, é muito presente nesse ramo”, explicou.
No chão, na construção e no asseio, os mesmos problemas
Discriminação, jornadas extenuantes, assédio moral, migrantes submetidos a situações degradantes e terceirização como forma de eximir os patrões das responsabilidades. Os relatos dos companheiros que vieram a seguir repetiram boa parte dos problemas relatados anteriormente, com o acréscimo de lamentáveis peculiaridades.
Membro do conselheiro fiscal da CNTT (Confederação Nacional de Transportes Terrestres) João Delfino, o Corujinha, comentou que a falta de fiscalização do Estado faz com que muitas empresas no setor de transporte urbano descontem o INSS, mas não pagam o para o governo. Em outros casos, retém o vaor, mas não o repassam integralmente. A ação dos empresários para quando o problema fica comprovado é ainda mais estarrecedora. “Muitas empresas cometem essa fraude, trocam de nome, fazem acordo com o trabalhador e voltam a atuar no mercado, muitas vezes com os mesmos funcionários.”
Fiscalização
Na construção civil, o problema da fiscalização também é grave, conforme explica o secretário de políticas sindicais e sociais da Conticom (Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira), Luiz de Queiroz. “A NR 18 – que estabelece diretrizes de segurança na indústria da construção – é uma das melhores normas brasileiras, mas temos dificuldade para que seja cumprida. Faltam fiscais e isso faz com que demorem muito para investigar nossas denúncias. Quando chegam na obra não encontram mais ninguém porque ela já acabou e o companheiro foi transferido para outra”, lamenta.
Com a oferta de trabalho na construção civil, Queiroz comenta que os sindicatos tem promovido mobilizações e conquistado avanços nas convenções coletivas, mas a informalidade no ramo ainda é grande e atinge cerca de 60% do pessoal. Também é possível encontrar pessoas vivendo em situação inadequada. “O alojamento é a questão mais precária nos canteiros de obra. Temos uma norma que determina como devem ser os locais onde ficam os operários nos canteiros, mas muitos empregadores burlam isso alugando casas longe da obra onde 10 trabalhadores chegam a dividir um único cômodo. Estamos lutando para fazer com que esses espaços também sejam considerados alojamentos”, explica.
Cooperativa de fachada e 70 horas semanais
No setor de comércio e serviços, a situação não é diferente. No asseio e conservação imperam a alta rotatividade e a baixa escolaridade, que impede o conhecimento sobre os direitos, enquanto as trabalhadoras domésticas não estabelecem uma negociação coletiva porque não há sindicato patronal. Enquanto isso, muitas vezes cumprem jornadas de até 70 horas semanais sem descanso.
Os problemas atingem inclusive o setor público, conforme conta o secretário de finanças da Contracs (Confederação dos Trabalhadores no Comércio e Serviços), Alci Araujo. ”Há muitos casos de formação de cooperativas para participarem do processo de licitação. Após vencerem, além de contratarem sem oferecer treinamento, muitas vezes fecham e não pagam as verbas rescisórias”, diz.
Trabalho decente em ação
A oficina terminou com a apresentação do coordenador da secretaria nacional de formação da CUT, Martinho da Conceição, do cronograma do projeto de pesquisa, formação e ação sindical no fomento da Agenda do Trabalho Decente. Uma pesquisa junto aos ramos da construção civil, transporte, comércio e serviços, vestuário, telecomunicações e rurais (assalariados), com maiores índices de trabalho precário, reunirá dados para a construção de indicadores de déficit de trabalho decente.
Em parceria com a OIT, a CUT qualificará dirigentes sindicais para atuarem como formadores e para a construção de processos permanentes de mobilização e negociação. “Com essa iniciativa, consolidamos a ideia de avançar cada vez mais na inclusão dos ramos no processo de formação e gestão”, disse Martinho da Conceição, coordenador da Secretaria Nacional de Formação da CUT.
A secretária de relações de trabalho da central, Denise Motta Dau, destacou que a entidade sempre se baseou em um tripé formado por negociação, mobilização e conquista. “Esse debate do diálogo social significa a fase de negociação, porque sem a mobilização a conquista não vem. E para conquistarmos precisamos nos qualificar para a agenda de trabalho decente de maneira mais eficaz. Caso os trabalhadores não estejam organizados, especialmente nesse momento em que o país está em disputa, a corda penderá para o lado do empregador e do capital”, definiu.
Por Luiz Carvalho, da CUT Nacional