Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo completa cinco anos

Com avanços ratificados, desafio agora é buscar o aperfeiçoamento para a erradicação efetiva do trabalho escravo

Os representantes de empresas, associações e entidades que fazem parte do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo saíram do evento que marcou os cinco anos da iniciativa, realizado nesta quarta-feira (1º) na capital paulista, com uma carga nova de dados e informações relacionadas aos compromisso e muitos desafios.

A experiência brasileira, que reúne mais de uma centena de signatários e ocupa posição de destaque em termos globais entre programas de cooperação entre o setor público e a iniciativa privada, foi mais uma vez reconhecida como exemplo de enfrentamento à escravidão contemporânea por Caroline O´Reilly, que vem a ser a coordenadora do Programa de Ação Especial de Combate ao Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra (Suíça). Pela primeira vez, o encontro de signatários contou com participantes estrangeiros, assumindo caráter internacional.

“Ao implementar o Pacto, o Brasil não tem beneficiado apenas os trabalhadores brasileiros vulneráveis ao trabalho forçado. Essas ações ultrapassam fronteiras, servem de exemplo prático e podem ajudar mais pessoas em outros países”, comentou Caroline, que abriu oficialmente o III Seminário do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
 
A coordenadora enfatizou a importância do envolvimento do conjunto de agentes que fazem parte das cadeias produtivas, inclusive dos intermediários. Segundo ela, todas as partes precisam estar cientes das possibilidades de ligação com a exploração de trabalho escravo e dos riscos relacionados a esse possível envolvimento. “Não há setores imunes ao trabalho forçado. Esse tipo de prática pode ocorrer em todo lugar”.

As palavras da ativista Katie Ford, que se pronunciou pela organização não-governamental (ONG) norte-americana Free The Slaves na mesa de abertura, confirmaram o grau de reputação da experiência brasileira mundo afora. Em conversa recente com executivos de uma grande companhia exportadora chinesa, a própria Katie citou o Pacto como exemplo de projeto compartilhado. Ela adimitiu ter passado 25 anos como empresária (à frente da agência internacional de modelos Ford Models) sem saber praticamente nada sobre o trabalho escravo contemporâneo.

Nos últimos anos, Katie conheceu o programa da Free The Slaves, descobriu que a escravidão não tinha sido abolida como aprendera na escola e passou a atuar pessoalmente no combate à chaga. Desde então, circula por continentes para impulsionar iniciativas que possam contribuir para extinguir o problema. “Continuarei falando do Pacto nos próximos anos”.

Oportunidades
A despeito dos avanços conquistados pelo compromisso empresarial, ainda há muitas oportunidades de aperfeiçoamento – tanto no que se refere às rotinas e providências das empresas signatárias quanto ao próprio pacto. “Não podemos apenas ficar vangloriando o que já foi feito”, chamou a atenção Paulo Itacarambi, vice-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. A entidade de Paulo atua no campo empresarial e compõe – junto com a OIT, o Instituto Observatório Social (IOS) e a ONG Repórter Brasil  – o Comitê de Coordenação e Monitoramento.

Ele salienta que será preciso avançar muito mais para a erradicação efetiva do trabalho escravo. Em sua apresentação, o dirigente do Ethos advertiu ainda acerca das limitações de compromissos voluntários corporativos e classificou como “questão-chave” a atuação no sentido da condolidação de políticas públicas de combate ao trabalho escravo.

“A ´lista suja´ [cadastro de empregadores flagrados na exploração de trabalho escravo] não pode, por exemplo, continuar sustentada apenas como portaria do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)”, completou. Outra lacuna apontada por Paulo diz respeito à cobrança para que empresas multinacionais possam estabelecer referenciais igualitários e elevados de condições de trabalho em todas as nações em que mantêm atuação, sem “rebaixar” o padrão conforme as brechas das legislações de cada país.

Oportunidades de integração da luta pela garantia dos direitos humanos com a sustentabilidade ambiental também foram abordadas por Laís Abramo, diretora do Escritório da OIT no Brasil. Nesse sentido, o Pacto Nacional pode não só contribuir para a eliminação de uma prática criminosa, mas também viabilizar emprego e renda às reais e potenciais vítimas.

Por meio dos chamados “empregos verdes” que combinam trabalho decente com ganhos ambientais, as companhias têm a disposição a chance de se contrapor ao degradante ciclo que une trabalho escravo, “grilagem” de terras (falsificação de títulos agrários) e desmatamento ilegal.

A promoção do trabalho decente aparece como prioridade na agenda sindical da Central Única dos Trabalhadores (CUT), confirmou Aparecido Donizeti da Silva, presidente do Instituto Observatório Social (IOS), que é ligada à central. Junto com o monitoramento das empresas “até como classe trabalhadora”, o IOS agrega a responsabilidade de levar as experiências e discussões do Pacto Nacional até o cotidiano dos trabalhadores. Neste atual contexto de crescimento econômico no Brasil, a difusão do conceito e da prática do trabalho decente é, no entender de Aparecido, fundamental.

Secretário executivo da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e representante da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), José Guerra anunciou que a questão do combate ao trabalho escravo poderá ser tratada de forma mais coordenada com os outros países do Mercosul, pois o Brasil assumiu a presidência Pro Tempore do bloco de países da América do Sul.

“Apenas a fiscalização trabalhista não dá conta do problema. É fundamental que toda sociedade demonstre um comprometimento muito sério”, completou Renato Bignami, auditor fiscal da Superintendência Regional de Trabalho e Emprego (SRTE/SP) que representou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no III Seminário. Na visão dele, esse compromisso terá resultados ainda mais consistentes se acompanhados da criatividade (para a formulação de caminhos e soluções), do diálogo (para alargar a cooperação entre os diferentes setores da sociedade) e do respeito ao ser humano.

No final de cada cadeia produtiva, complementou Renato, há “um ser humano, um semelhante”. Para o auditor, o princípio da solidariedade, que constitui o Direito do Trabalho, tende a ter reflexos positivos para a própria economia de mercado. “Emprego existe para atender os seres humanos. E não para atender apenas o capital ou a própria empresa”.

Simultaneamente aos cinco anos do Pacto Nacional, promotores do encontro lembraram da comemoração dos 15 anos da criação do grupo móvel de fiscalização de trabalho escravo. Desde 1995 até hoje, operações do grupo móvel de fiscalização e das SRTEs libertaram cerca de 40 mil pessoas, salientou Leonardo Sakamoto, da Repórter Brasil.

Pesquisas
Apresentada pelo coordenador de pesquisas do IOS, Felipe Saboya, a síntese das informações colhidas no processo de monitoramento dos signatários do Pacto por meio de plataforma digital evidenciou números para a avaliação e definição dos próximos passos da iniciativa.

A quantidade de signatários, que antes do processo de monitoramento chegou a 217 empresas e organizações, passou a ser de 113 signatários. Esta redução pode ser atribuída não apenas à exclusão das que não cumpriram os procedimentos obrigatórios (definidos no código de conduta), mas a fusões de grupos e correções de adesões pulverizadas.
 
Esse enxugamento, contudo, não teve reflexos muito significativos em termos de representatividade das companhias envolvidas. Das 10 empresas com maior patrimônio do país, quatro fazem parte do Pacto Nacional. Empresas compõem 75% do Pacto, enquanto os outros 25% são formados por ONGs, associações, entidades da sociedade civil etc. Ao todo, 38% aderiram em 2005, quando a iniciativa foi lançada. Nos anos seguintes, houve uma média de aumento de 15% de signatários a cada período de 12 meses.

Sobre os setores econômicos, nota-se uma grande participação da indústria de transformação (47,4%) entre os engajados. Em seguida, vem o ramo da agricultura (19,7%). E no que se refere à ligação na cadeia produtiva com atividades, sobressaem justamente os conhecidos setores de pecuária, soja, cana-de-açúcar, milho e carvão vegetal.

A maioria absoluta das empresas signatárias é formada por empresas da América do Sul (71%). Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso dominam quanto à localização da sede, mas Minas Gerais, Goiás e Paraná estão na ponta no quesito local de atuação. É possível verificar um equilíbrio mais ou menos equânime das exportações para quatro regiões distintas: América do Sul, Ásia, Europa e América do Norte.

Entre os dados específicos do cumprimento do Pacto, preocupam especialmente os dígitos da dimensão do monitoramento: apenas 56,6% realizam diagnósticos de suas respectivas cadeias produtivas.

Os números de outras duas dimensões (treinamento e comunicação/divulgação) também não impressionam. Só metade das empresas participantes realiza treinamento e 64% não dão nenhum suporte a ações de reintegração de egressos do trabalho escravo. Mais de 60% não contribui com campanhas de informação aos trabalhadores vulneráveis ao aliciamento para trabalho escravo, 23% sequer divulgam para a sociedade que são signatárias do Pacto Nacional e mais da metade (51,3%) não sistematizou e divulgou suas experiências relacionadas ao compromisso assumido.

Na dimensão normativa, 83,5% dos monitorados informaram dispor de mecanismos de suspensão caso o parceiro comercial entre na “lista suja” do trabalho escravo e 67,1% declararam possuir cláusulas com restrições e vetos à exploração de trabalho escravo.

Também houve divulgação dos resultados do relatório sobre o engajamento para erradicação do trabalho escravo por parte das empresas com capital aberto. Paula Peirão, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVCes), relatou o envio de pedido de informações para todas as empresas da Bolsa de Valores de São Paulo. Do total em termos numéricos, apenas 17% responderam. Mesmo com o baixo índice de respostas a sete perguntas, o contingente que respondeu representa significativos 52% do total de valor ativo negociável da BM&FBovespa.

“A ausência de resposta também é uma resposta. O sinal amarelo foi aceso”, comentou Eugênia Buosi, do Santander Asset Management e do Fórum Latino-Americano de Finanças Sustentáveis – LASFF (Latin American Sustainability Financial Forum, na sigla em inglês). Junto com o questionário, a GVCes e o Lasff encaminharam uma carta de engajamento às empresas com sinalização de que esse tipo de preocupação (sobre impactos socioambientais) veio para ficar e que o trabalho escravo é um crime inaceitável. Signatários do Pacto representam 42% do total de valor ativo negociável da Bolsa.

O combate ao trabalho escravo, explicou Eugênia, também vem sendo reforçado por conta dos Princípios para o Investimento Responsável – ou simplesmente PRI (Principles for Responsible Investment), na sigla em inglês – da Organização das Nações Unidas (ONU). Um grupo de engajamento que reúne instituições e investidores do mercado financeiro vem desenvolvendo atividades ligadas ao PRI no Brasil. No mundo, 750 empresas do mercado financeiro que tem US$ 20 trilhões de ativos sob gestão decidiram adotar esses princípios.

As instituições organizadoras da pesquisa devem seguir acompanhando o comportamento das empresas com ações na Bolsa. Em resposta ao questionário, 41% das empresas que ainda não participam do Pacto Nacional prometeram que assinariam dentro de 12 meses. Outros 30% dos não-signatários declararam que estavam analisando essa possibilidade.

Do Repórter Brasil (Maurício Hashizume)