Para Sérgio Nobre, valorizar salário é garantir desenvolvimento

Metalúrgicos da CUT iniciaram nesta semana as negociações da campanha salarial com reivindicação de aumento real

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é apontado como um dos principais incentivadores das discussões regionais para superação dos efeitos da crise financeira mundial. Em entrevista ao ABCD MAIOR, o presidente da entidade, Sérgio Nobre, fala sobre a importância do seminário “ABC do Diálogo e do Desenvolvimento”, realizado em março, para o desenvolvimento de programas que favorecem a Região e o País, da união dos agentes regionais e do debate para a superação da crise. O dirigente sindical também fala das propostas que o ABCD deverá levar ao governo federal, das expectativas para a campanha salarial dos metalúrgicos e do risco de mudança do projeto do governo federal nas eleições de 2010.

ABCD MAIOR – Nesta semana, autoridades do governo federal apontaram que o País saiu da crise e já voltou a crescer. E o ABCD, já saiu da crise?

SÉRGIO NOBRE – O que podemos dizer é que as análises do desempenho do setor automotivo e, consequentemente, do ABCD, apontavam que este ano seria catastrófico. O que vemos é que o setor vem reagindo muito bem. O setor automotivo vai repetir o desempenho de 2008 e isso é fantástico. Há economistas que dizem que a economia brasileira é muito pujante, com um mercado interno promissor, já que aqui ainda há muito o que fazer na área de infraestrutura. Nos países desenvolvidos, que já tem toda a infraestrutura pronta e são dependentes das exportações, a perspectiva é pior, pois o mercado internacional ainda está muito afetado. Há economistas respeitados que apontam que a economia brasileira não é uma ilha e poderá sofrer o impacto de novas ondas desta crise nos próximos dois ou três anos, com alguns setores atingidos. Do ponto de vista do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, é preciso trabalhar com o pior cenário, porque se vier o melhor cenário não há surpresa. Acho precipitado dizer que a crise passou, precisamos ter cautela, mas estamos otimistas, todos os sinais estão muito positivos.

ABCD MAIOR – O Ipea divulgou estudo nesta semana indicando que o otimismo do setor industrial com a economia do País aumentou. Como está a expectativa da indústria no caso do ABCD?

NOBRE – Vendo a boa reação da economia brasileira, o sentimento é que gradativamente a crise será superarada e os níveis de produção serão retomados lentamente. Existe otimismo tanto no empresariado como nos trabalhadores, com base em aspectos concretos, como a estabilização das demissões e o surgimento de novos pedidos. A produção está abaixo dos níveis do ano passado, mas a perspectiva é de crescimento. As medidas de incentivo anunciadas pelo governo federal, em especial para o setor de ônibus e caminhões, devem surtir efeito daqui há uns dois ou três meses. Estes programas levarão ao crescimento das vendas. Agora, também acho que a economia mundial tem de se recuperar, pois lá fora a situação está muito ruim.

ABCD MAIOR – As negociações da campanha salarial começaram nesta semana. Qual a expectativa do sindicato?

NOBRE – Acho que o empresariado tem de observar o salário como investimento e não custo. Se você reduz o salário, você também reduz o consumo. Se você reduz o consumo, a produção também cai. Nós reconhecemos que a campanha salarial será difícil, pois para o empresário nunca tem cenário bom para discutir salários. A experiência dos últimos cinco anos mostra que a valorização do salário foi determinante para o desempenho da economia brasileira. Nós reconhecemos que existe crise, mas só sairemos dela se este patrimônio, esta classe média nova, com poder de compra, e este crescimento do emprego se mantiver. Então, reajustar o salário acima da inflação do período é fundamental.

ABCD MAIOR – A organização dos trabalhadores conseguirá superar o possível negativismo do empresariado na hora de debater reajuste salarial?

NOBRE – A categoria tem tradição de poder de mobilização extraordinário e as empresas reconhecem isso. Historicamente tivemos crises muito graves. Nem em cenário de fechamento de empresas na Região fizemos acordos inferiores à reposição da inflação. Outro ponto importante é o benefício social, que é uma espécie de salário indireto. Se a empresa não oferece alimentação, transporte, assistência médica e odontológica, o trabalhador tem de arcar com o custo. Por que não construir um grande plano de benefícios para o trabalhador? Estes temas também têm de ganhar importância na campanha salarial.

ABCD MAIOR – O governo já anunciou medidas de incentivo ao setor de caminhões, afetado pela queda nas exportações. Há algo que se possa fazer para alavancar o setor em definitivo?

NOBRE – Estamos propondo um plano que permita ao caminhoneiro financiar a reforma de seu veículo, caso não tenha condições financeiras de trocar o caminhão velho por um novo. A medida é muito importante porque grande parte da produção das empresas da Região é de peças. No caso, o caminhoneiro seria transformado numa pessoa jurídica, se formalizaria, teria acesso ao cartão do BNDES e poderia contribuir com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e ter direito à Previdência. Na contrapartida, o caminhão dele passaria todo ano por uma inspeção veicular.

ABCD MAIOR – Nos últimos meses, o sindicato exerceu papel ativo na elaboração e encaminhamento de propostas que incentivam a economia regional e nacional como um todo. Como você classificaria este novo papel do sindicato?

NOBRE – Um dos problemas brasileiros é que os movimentos sociais e sindicatos sempre foram marginalizados pela elite que governou o Brasil antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esta é uma das razões do subdesenvolvimento do País. O grande diferencial do governo Lula foi trazer estes atores para dentro da vida do País, abrir o diálogo e construir políticas conjuntas. No ABCD, nós conquistamos esta autoridade. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é uma instituição da Região, a comunidade nos entende e quer nos ouvir. Nós criamos historicamente espaços de diálogo de onde surgiram sugestões importantes mesmo em momentos de crise. Não adianta o trabalhador estar empregado, com boas condições de trabalho, e um salário razoável se não tem segurança em seu bairro.

ABCD MAIOR – Qual a importância do seminário de março no processo de discussão de políticas regionais? Ele foi o começo ou só o marco de uma movimentação que já vinha se desenvolvendo?

NOBRE – O seminário retomou o processo de discussão regional dos problemas e foi o ponto de partida para os grupos de trabalho que estão produzindo propostas muito importantes não só para a Região, mas para o País, o que é uma outra característica do ABCD.

ABCD MAIOR – Um dos aspectos favoráveis ao encaminhamento destas propostas regionais é o diálogo com o governo federal. Tendo em vista a possibilidade de alternância do projeto de governo federal na eleição presidencial do ano que vem, como fica este processo?

NOBRE – Se o governo não tiver continuidade vai ser uma tragédia para a sociedade brasileira, pois o que viria em seu lugar não é avançado, é o oposto. Isso é um alerta e o papel das organizações populares, do próprio empresariado que se desenvolveu neste período, do movimento estudantil, dos trabalhadores, é garantir que o País não saia deste caminho de desenvolvimento e democracia.

Do ABCD Maior