Pasquale|Acrônimo?

Certa vez, num vestibular, muita gente confundiu a necessidade humana de descansar, o lazer, com uma tecnologia que então se popularizava, o laser, que é um acrônimo

Por Pasquale Cipro Neto


algum tempo, quando o raio laser começou a fazer parte do que se
costuma chamar de “vida moderna”, determinado vestibular pediu aos
candidatos que, na prova de redação, discutissem o que poderia mudar em
nossa vida com o advento e a popularização dessa tecnologia. O tema do
texto a ser elaborado era simplesmente “O laser”. Não foram poucos os
que se puseram a escrever sobre a necessidade humana de descansar, de
passar horas longe das preocupações, do trabalho e da correria do
dia-a-dia.

Uma letrinha traiu
esses jovens, que confundiram “laser” com “lazer”. Suponho que não seja
necessário explicar o que é lazer. Bem ou mal, muita gente tem alguma
idéia do que seja laser (que se lê lêizer), mas nem todos sabem de onde
vem essa palavra. Na verdade trata-se de um acrônimo, formado… Bem, é
melhor dizer antes que diabo é um acrônimo. A palavra é grega, formada
pela junção de “acro”, que significa “extremo”, “alto”, com “ônimo”,
que significa “nome”. O “acro” de “acrônimo” é o mesmo de “acrobata”
(que possui a forma variante “acróbata”) e de “acrofobia”. Esta – é
fácil deduzir – significa “medo de altura”.

E
o bendito “acrônimo”? É uma palavra que se faz com a extremidade
inicial… Vamos simplificar. É uma palavra que se faz com a inicial
(ou iniciais) das palavras (ou de parte delas) que formam uma expressão
com que se nomeia algo. A extinta Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (Sudene) é um exemplo de acrônimo. Esse caso é
particularmente interessante, já que o “su” e o “de” vêm de
superintendência e desenvolvimento, respectivamente, mas o “ne” não vem
propriamente da palavra nordeste, mas de sua abreviação. A bem da
verdade, Sudene é um acrônimo meio sui generis.

E
laser? É acrônimo de quê? É acrônimo desta expressão inglesa: “light
amplification by stimulated emission of radiation”. A tradução é mais
ou menos esta: “amplificação de luz por emissão estimulada de
radiação”. Se o acrônimo se baseasse na expressão portuguesa, teríamos
“aleer”. Que tal?

Convém
lembrar que o acrônimo não deixa de ser uma espécie de sigla. O que o
caracteriza é a pronúncia de forma contínua, sem a soletração. Casos
como o de FGTS, INSS ou S.O.S., que se soletram, não são considerados
acrônimos. S.O.S., por sinal, também vem do inglês (Save Our Souls). Ao
pé da letra, significa “Salvai (ou ‘Salvem’) nossas almas” e faz parte
do código internacional de sinais.

Por
falar em acrônimos e siglas, não resisto à tentação de dizer que, em
Portugal (na Espanha e na Argentina também, se não me engano), “aids” é
“sida”. É bom explicar: “aids” vem do inglês (“acquired immunological
deficiency syndrome”); “sida” vem de “síndrome de imunodeficiência
adquirida”. O “d” de “sida” é tirado de “deficiência”, mas convém
lembrar que “imunodeficiência” é uma palavra só, composta. Sob o
argumento de que não se adquirem doenças, há quem conteste o uso de
“adquirida” na tradução da expressão. Nossos dicionários registram,
sim, o verbo “adquirir” com o sentido de “contrair doença”. Não há
problema, pois, no emprego da palavra “adquirida”.

Por
fim, convém insistir num ponto, visto e revisto neste espaço: é
necessário consultar os dicionários. Mas as siglas e os acrônimos
aparecem nos dicionários? Nos grandes, aparecem, sim. O Aurélio, o
Michaelis e o Houaiss explicam, por exemplo, que “sonar” é o acrônimo
de “sound navigation and ranging”. O Houaiss vai mais longe e traduz:
“navegação e determinação da distância pelo som”.

Pasquale Cipro Neto é professor de Língua Portuguesa, idealizador
e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, da TV Cultura