Passados 20 anos, empresas precisam entender melhor a lei de cotas para deficientes
Preconceito ainda é barreira contra o trabalhador com deficiência
A lei que determina a contratação de um percentual mínimo funcionários com deficiência pelas empresas completa 20 anos neste domingo (24). A política de ação afirmativa acumula em seu histórico um crescimento de vagas oferecidas para pessoas com deficiência, mas sobram desafios relativos à adaptação e humanização do espaço de trabalho – o que inclui superar o preconceito. A legislação favoreceu a alocação de pessoas com deficiência em empresas, mas poucas companhias “entenderam” de fato a demanda, na visão de ativistas.
Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego, cerca de 306 mil pessoas com deficiência estão empregadas no país , em um universo de 26 milhões de trabalhadores formais ativos. São 0,6% do total de 44 milhões de assalariados. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que aproximadamente 25 milhões de pessoas no país têm algum tipo de deficiência (14,5% da população).
Para a diretora do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), Teresa Costa d´Amaral, ainda são poucas as empresas que seguem as determinações à risca. “Hoje, a grande maioria (das companhias) sabe que a lei existe. Mas entre o conhecimento da lei e o cumprimento efetivo existe uma grande defasagem. Não dá para dizer que a ela é cumprida plenamente porque o sistema de fiscalização ainda é pouco eficiente para resolver esta questão”, critica.
Diferenças são desafios
Segundo ativistas, as funções em que mais se observa atividade das pessoas com deficiência é em setores administrativos, por se tratar de ambiente de trabalho interno e fechado, o que diminiu a demanda de adaptações. Mas há desafios diferentes colocados conforme o tipo de deficiência e até a distinção de remuneração entre gêneros.
Segundo a Rais 2010, o rendimento médio de pessoas com deficiência foi de R$ 1.922,90, superior à média total de trabalhadores com carteira assinada (R$ 1.742,00). Enquanto ganham mais os funcionários reabilitados (R$ 2.107,27) e surdos (R$ 1.925,67), as pessoas com deficiência mental têm salários em média menores (R$ 772,20).
Quase dois terços (65,42%) dos trabalhadores com deficiência contratados são compostos por homens. Eles são 72% dos assalariados com deficiência mental. A diferença de remuneração entre gêneros varia de 29,5% a 56,9% – as mulheres têm salário médio menor.
Em relação à escolaridade, 121 mil trabalhadores (39,5%) têm ensino médio completo. Chegaram apenas ao fim do ensino fundamental 41 mil, ante 37 mil que terminaram o superior.
A lei nº 8.213/1991, conhecida como “Lei de Cotas”, dispõe que empresas com mais de 100 funcionários devem abrir, no mínimo, 2% de vagas destinadas para deficientes. O percentual aumenta conforme o tamanho do quadro de funcionários, alcançando 5% para companhias com mais de mil trabalhadores contratados. O número exato depende da quantidade total de funcionários.
Passível de fiscalização pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, a pena para a pessoa jurídica que descumprir a medida é multa administrativa proporcional à quantidade de trabalhadores que deixaram de ser contratados. A Frente Parlamentar em Defesa das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados iniciou debate no início do mês para que o valor da multa seja aumentado.
Teresa pontua que as empresas se sentem impelidas a cumprir a lei, deixando a preocupação com o reconhecimento da capacidade que o deficiente físico tem. “Quando a empresa é pressionada a cumprir a cota existe uma descrença na competência da pessoa com deficiência. Então, acaba contratando uma pessoa que não atrapalhe muito e que tenha uma deficiência leve. Isso desvirtua o sentido de qualquer relação de produção e de trabalho de uma empresa”, analisa. Para ela, a maior barreira para que a situação mude é ainda o preconceito.
A busca é por igualdade de oportunidades, o que significa compreender que esses trabalhadores têm condições de realizar tarefas como os demais. “Um surdo não precisa de um intérprete o tempo inteiro; ele sabe ler os lábios, ou se comunica falando. Não é necessário que haja sempre um acompanhante para um surdo, cego, ou cadeirante”, sustenta. Embora, em caso de pessoas com deficiência visual ou baixa visão, seja necessário acompanhamento para conhecer, por exemplo, os corredores da empresa, as diferenças são pontuais, segundo ela.
Formações como cursos de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e publicação de livros em braille são exemplos de ações que precisariam ser mais frequentes para preparar a sociedade e o universo corporativo às pessoas com deficiência. “Uma empresa que resolve fazer um curso de Libras para os funcionários irá tornar a adaptação da pessoa surda muito mais fácil. Assim também como restaurantes que colocam cardápios em braile”, afirma.
Almoço dos sentidos
Há exemplos reconhecidos de empresas que conseguiram avanços na inclusão de trabalhadores com deficiência. Entre as mais bem posicionadas no ranking de responsabilidade social do Instituto Etho, a IBM é apontada por ativistas como referência. Gabriela Herz Francoio, gerente do programa Diversidade da IBM, explica que a empresa usa recursos como palestras e atividades que ” beiram o recreativo” para a integração dos trabalhadores.
Um dos exemplos é o “almoço dos sentidos”, momento em que os funcionários fazem a refeição de olhos vendados ou em cadeira de rodas. A iniciativa busca aproximação entre os trabalhadores, para experimentar situações parecidas às vividas por pessoas com deficiência. A empresa afirma ainda garantir adaptações específicas para cada tipo de deficiência. “Para um profissional cego, por exemplo, adquirimos um software de leitura; para um cadeirante, uma baia adaptada”, explica Gabriela.
A empresa procurou se adaptar também na comunicação institucional. “Ela (a comunicação empresarial) é feita por e-mail, internet e intranet. As pessoas com deficiência têm total acesso à rede e há acessibilidade garantida para deficientes visuais por meio do software de leitura. Quando é feito algum material impresso institucional, imprimimos em braile. Se é o caso de um treinamento ou palestra que temos o conhecimento de que haverá a participação de alguma pessoa com deficiência auditiva, contratamos um intérprete de libras”, destacou Gabriela.
Item constante da pauta de reivindicações de diferentes categorias, a acessibilidade entrou na pauta de sindicatos. A adoção de mecanismos que ampliem a participação de trabalhadores com deficiência na vida das entidades vem ganhando espaço.
Da Rede Brasil Atual