Patricia J. Williams: A direita reinicia a segregação nos EUA
Por Patricia J. Williams*, via Opera Mundi
Enquanto passamos de 2010 para o novo ano, o Congresso retoma as atividades em sua configuração dominada pelos conservadores. Esta nova onda é sustentada por uma base de poder direitista informada por ideólogos que extirpariam a promessa de igualdade da 14ª Emenda restringindo os direitos de voto e limitando os gastos públicos com os “parasitas” que sugam o bem-estar da América “deles”.
Muitas dessas visões, embora empacotadas no “egoísmo ético” individualista de Ayn Rand, protegem uma ordem política e social baseada na riqueza e no privilégio de um grupo impermeável, também enraizada em uma mentalidade segregacionista de “nós contra eles”, mas persistindo muito além da divisão racial. Cristãos versus os outros. Nativos versus imigrantes. Anglófonos versus cosmopolitas arrogantes. O privilégio hereditário versus a igualdade como um direito inato.
Considerem essas manifestações recentes: o senador do Arizona Russell Pearce está tão preocupado com o “sequestro” da 14ª Emenda que patrocinou um projeto de lei que impediria a emissão de certidões de nascimento estaduais para crianças nascidas no estado cujos pais não fossem cidadãos legais.
Rand Paul, senador novato de Kentucky, acredita que a Lei de Habitação Justa está errada porque “uma sociedade livre aceita a discriminação privada, não-oficial, mesmo quando isso significa permitir que grupos cheios de ódio excluam pessoas com base na cor de sua pele”.
John Cook, conhecido membro do Comitê Executivo Republicano do Texas, quer substituir o republicano Joe Straus, que é judeu, na presidência da Câmara dos Representantes estadual porque “elegemos uma Câmara com valores cristãos, conservadores. Agora queremos um verdadeiro cristão, conservador, na liderança”. E Judson Phillips, líder da Tea Party Nation, endossou “a intenção original” de restringir o direito ao voto a cidadãos donos de propriedades, porque, “se você é dono de uma propriedade, realmente tem um interesse adquirido na comunidade”.
Muitas políticas promulgadas originalmente para manter a supremacia econômica controlando o movimento e a força política dos negros no Sul Profundo parecem ter completado o ciclo, afligindo não só os imigrantes recentes, mas também os brancos pobres e de classe média. Um exemplo claro é o destino de Gene Cranick, um branco idoso de cadeira de rodas morador do Condado de Obion, no Tennessee. Quando uma fogueira de lixo no quintal incendiou sua casa, em outubro, os bombeiros chegaram, mas apenas assistiram a sua casa ser destruída pelo fogo, porque Cranick não havia pagado uma taxa anual de US$ 75 para ter direito à água que salvaria a residência. Cranick teve o azar de morar em uma área não incorporada que contava com serviços limitados historicamente associados a bairros negros – quando os serviços de combate a incêndios, esgoto e polícia paravam na beira de uma cidade com base nas fronteiras da segregação.
O livro Simple Justice, de Richard Kluger, relata como, nos anos 1950, a casa do ativista pró-direitos civis Joseph DeLaine na Carolina do Sul foi aparentemente atacada por incendiários: “Membros do corpo de bombeiros de Summerton, habitada só por brancos, estavam disponíveis enquanto a casa de madeira era consumida pelas chamas, mas não fizeram nenhum esforço para apagar o fogo porque a casa de DeLaine, disseram eles, estava além dos limites da cidade. E eram 30 metros.” (Para aqueles interessados nos detalhes das batalhas legais e políticas em torno da promessa da 14ª Emenda de igualdade de cidadania, recomendo enfaticamente Lift Every Voice: The NAACP and the Making of the Civil Rights Movement, de Patricia Sullivan).
Há poucas semanas, ao falar de sua juventude em Yazoo City, Mississippi, durante a época mais violenta do movimento pró-direitos civis, o governador Haley Barbour pareceu trazer à memória algo agradável: “Simplesmente não me lembro de ter sido tão ruim.” Quanto não foi ruim? Segundo Barbour, o Conselho dos Cidadãos Brancos garantiu heroicamente a integração escolar e, bravamente, manteve a Ku Klux Klan à distância.
Na verdade, o Conselho dos Cidadãos Brancos criou um sistema de academias privadas só para brancos que fez com que as escolas públicas do Mississippi fossem frequentadas quase exclusivamente por negros, e todas miseravelmente financiadas. É verdade que, até certo ponto, o Conselho dos Cidadãos Brancos adotou com frequência posições públicas contrárias à KKK, mas essa oposição declarada não vinha do apoio aos direitos civis dos negros, mas do fato de a violência da Klan ter atraído atenção internacional, o que costumava ser “ruim para os negócios”. Por isso, o conselho tendia a aderir à resistência à integração por meio de ameaças econômicas e do isolamento de comunidades inteiras.
De fato, o irmão mais velho de Haley, Jeppie, foi eleito prefeito de Yazoo City em 1968 com uma plataforma de isolamento econômico de qualquer negro (ou branco) que defendesse a integração. O livro de Willie Morris Yazoo: Integration in a Deep-Southern Town, de 1971, detalha o que Jeppie descrevia como os esforços dos negros para “nos deixar de joelhos, a fim de nos dizer o que fazer”. “Quando tomei posse, eu pretendia promover algumas melhorias de pavimentação e esgoto para as pessoas de cor”, disse Jeppie. “Mas agora não consigo me entusiasmar muito com isso.” Chegaria a hora, avisou Jeppie, em que os brancos retaliariam com demissões e outras medidas.
Recentemente, The Huffington Post publicou trechos de um artigo de 1956 de David Halberstam no qual Nick Roberts, do Conselho dos Cidadãos de Yazoo City, explicava por que 51 dos 53 negros que haviam assinado uma petição de integração haviam retirado seus nomes: “Se um homem trabalha para você e você acredita em algo, e aquele homem está trabalhando contra isso e abalando isso, por que você não quer que ele trabalhe para você – é claro que você não quer.”
Esse tipo de pensamento imagina o poder coletivo do Conselho dos Cidadãos Brancos como nada mais que as escolhas individuais de “um homem” em sua relação com “aquele homem” – ambos sintaticamente brindados igualitariamente com opções e oportunidades. No conjunto, porém, essas “preferências” se tornam disfarces pérfidos para uma mentalidade de gângster pela qual o pronome “nós” – os que têm direitos – elimina tudo, à exceção do mais restrito senso de comunidade. O resto do grupo, marcado como “eles”, permanece alienígena – e ao mesmo tempo é forçado a pagar, pagar e pagar para poder jogar. O fato de isto criar uma classe dominante dos privilegiados economicamente – ou seja, uma oligarquia – parece passar totalmente despercebido hoje em dia.
*Patricia J. Williams é doutora em Direito pela Universidade de Harvard e professora da Universidade de Columbia, EUA. Artigo originalmente publicado no The Nation.