Pedaço do Brasil em alto-mar

Na esquecida Ilha da Trindade, militares da Marinha tentam reconstruir reduto brasileiro que já foi alvo de cobiça e invasões. Hoje é o único lugar no mundo onde desovam as tartarugas verdes.

Santuário
A ilha é o único local do mundo de desova das tartarugas verdes; fica a 1,200
km da costa do Espírito Santo

 
Refúgio em alto-mar

A Ilha da Trindade permaneceu séculos esquecida. Por sua posição estratégica no Atlântico, foi cobiçada e invadida. Hoje apenas militares da Marinha habitam e tentam reconstruir esse paraíso natural, refúgio de parte da história do país

Por João Correia Filho

São quatro dias cansativos, em alto-mar, até que o
Navio Hidrográfico Sirius, da Marinha brasileira, ancore a pouco mais
de 200 metros da praia. A chegada àquela porção do território nacional,
cheia de montanhas pontiagudas, com jeito de terra esquecida e
inexplorada, parece empolgar os tripulantes, embora a viagem seja uma
rotina para a maioria deles. A cada dois meses, os navios da Marinha
realizam o mesmo percurso até a Ilha da Trindade, a 1.200 quilômetros
da costa do Espírito Santo, com a missão de levar mantimentos para os
40 militares que fazem dela o local habitado mais distante do país.
Cada equipe permanece ali, isolada, por quatro meses. Logo a euforia
com a beleza natural dá lugar à saudade, palavra bastante conhecida dos
homens do mar.

Todos sabem da
importância da missão: segundo a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre
o Direito do Mar, iniciada em Genebra em 1973 e concluída na Jamaica em
1982, um país pode explorar até 370 quilômetros da costa a partir de
seu território, o que inclui as ilhas, desde que sejam habitadas. A
presença dos militares em Trindade acrescenta ao Brasil cerca de 450
mil quilômetros quadrados de área de exploração marítima. Apesar de
tais acordos terem sido feitos somente na segunda metade do século 20,
a importância estratégica de Trindade não é recente. Vem desde 1502,
quando o navegador português Estevão da Gama avistou o pequeno pedaço
de terra enquanto tentava chegar às Índias.

Hoje,
sabe-se que a ilha está localizada a exatos 1.167 quilômetros da costa
brasileira, possui 9,28 quilômetros quadrados de área (a metade de
Fernando de Noronha) e forma com a pequena ilhota de Martim Vaz, a 49
quilômetros dali, o Arquipélago de Trindade. A ilha pertence a uma
cadeia montanhosa submarina que nasce no Espírito Santo. De origem
vulcânica e formada há mais de 3 milhões de anos, seu ponto mais alto,
o Pico Desejado, está 600 metros acima do mar, bem no meio da ilha.
Junto com outras montanhas, o Desejado impõe-se na paisagem, mas
contrasta com as casas onde os marinheiros permanecerão nos próximos
meses; e com a presença do Sirius, que ficará ancorado por quatro dias,
tempo suficiente para desembarcar todo o material.

O
mar revolto da região obriga que o desembarque dos contêineres seja
feito com o helicóptero da Marinha, que cruza o céu em dezenas de idas
e vindas. O ritual começou a ser cumprido regularmente apenas em 1957.
Antes, nem sempre a ilha foi habitada, chegando mesmo a ser
negligenciada pelos portugueses e, mais tarde, pelos brasileiros, sendo
lembrada apenas nos momentos de tensão, quando o domínio marítimo era
fator importante no jogo de poder mundial.

Terra cobiçada
Após a investida pioneira de portugueses e espanhóis no início do
século 16, iniciava-se a corrida que atrairia países como Inglaterra,
França e Holanda para as águas do Atlântico. Em 1775 o navegador inglês
James Cook visita a ilha em uma de suas viagens. Descobridor da
Austrália, foi o primeiro a deixar em Trindade grande quantidade de
cabras e porcos, que auxiliariam na sobrevivência dos futuros
visitantes. Os ingleses queriam transformar o território em ponto de
apoio para rotas oceânicas. Em 1781 ergueram um forte e deixaram na
ilha uma guarnição armada de mais de 40 pessoas, “fora algumas
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