Piloto surpreso

Você contratou um piloto e, um dia, em pleno vôo, ele vem e diz que o combustível acabou e que ele está surpreso com o desastre que se anuncia. Você o perdoa? O pior é que o tal piloto ainda quer jogar a culpa e a responsabilidade pela crise nas nossas costas, nas costas dos passageiros. Para isso, corre e anuncia que, se todo mundo não colaborar, o avião vai se esborrachar no chão. Vai ser um apagão. Ou, naturalmente, como todos vão preferir, um feriadão bem mais triste certamente que o de finados.

Após tanto terrorismo, autoridades começam a dizer que não haverá apagão no sudeste. Mas, quando e se o apagão efetivamente chegar – organizado como feriadão ou não -, os verdadeiros responsáveis dirão que culpados somos todos nós – ou alguns juízes insubordinados. Dirão que não batemos o braço com força suficiente para manter o avião no ar. A culpa também caberá às indústrias, que não dispensaram mais cargas e trabalhadores para aliviar a aeronave.

Depois do descontrole escondido sob o brilho das nuvens da modernidade – que infelizmente não viram chuva – o piloto ainda quer nos convencer de que mantém o controle da aeronave. Define metas, decreta isto e aquilo sem respeitar leis, constituição etc e quer enquadrar todo mundo, até a justiça divina que faz chover ou distribui estiagem.

A ordem é camuflar o tamanho do buraco. Anuncia-se, por exemplo, meta de 15% de racionamento para o setor automotivo. Você sabe quanto este índice significa sobre o ritmo de produção de hoje? Representa, na verdade, economia de 38%. Ou seja, quase a metade da energia gasta hoje terá de ser poupada nos próximos meses. Será que é possível fazer isto simplesmente trocando lâmpadas quentes por frias?

O pior de tudo, no entanto, é que, em vez de correr atrás de solução para evitar o apagão tudo o que ele faz é propor à Nação que se conforme com racionamento de energia e que estude formas de apagar a produção com mais ou menos racionalidade. Enquanto isto, nenhuma decisão sobre financiamento subsidiado ou redução temporária de impostos para quem importar geradores ou trocar a matriz energética da produção. Esta é a parte do governo, que nosso piloto assustado sequer cogita assumir.

Tudo o que tem feito é organizar um mercado paralelo de energia onde empresas que consigam economizar – sabe Deus a que custo – possam vender a parte excedente da energia para empresas em débito com o racionamento. Aliás, é preciso tomar cuidado com mais este mercado – em particular quem ainda tem emprego. Certamente não vai faltar empresário calculando a lucratividade do mercado paralelo de excedente de energia e concluindo que vai ganhar mais dinheiro neste mercado do que produzindo.

Soluções de emergência ninguém discute. Por que? Por que custaria mais caro? Porque poderia colocar em risco o ajuste fiscal e o acordo com o FMI? Por que prejudicaria os planos de estabilização do governo? O governo não fala, a imprensa também atônita não investiga. É um festival de besteiras, como as desculpas de ignorância de FHC, as ameaças de seu genro, David Zylbersztajn, ou o mercado de “chuchus” do presidente do Banco Central, Armínio Fraga.

Enquanto isto, os ladrões de galinha do Congresso, os ACM & Jader e o pessoal que costuma vender votos em troca de verbas públicas fartamente distribuídas por FHC foge das câmaras e do foco da imprensa projetando nas nuvens o nível de descrença popular nas instituições democráticas.

Ao que parece, vai ser preciso esperar que o apagão (ou o feriadão) chegue para que o Brasil tome consciência da gravidade da crise – tanto ética quanto política – e seja obrigado, à luz de velas, a discutir saídas concretas. Mas, enquanto isto, que não venham pedir aos trabalhadores mais sacrifícios, em particular ou que se conformem calados em reduzir salários e perder empregos.

Luiz Marinho é Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, presidente de honra da Unis