Pílula do tempo
Lugano tem 9 anos. Sua pouca idade esconde uma mente brilhante. Tem grande poder de concentração, está sempre atento. A boa memória, o raciocínio rápido e uma curiosidade imensa o tornam um amiguinho instigante, ele que é companheiro frequente nas minhas caminhadas no final do dia.
Ontem, o meu atraso de quase duas horas e a garoa fria não foram suficientes para desanimá-lo e lá fomos nós.
– Por que você atrasou hoje? perguntou ele de bate pronto?
– Tive que atender uma pessoa que precisava de ajuda e acabamos conversando por mais de uma hora, expliquei.
– Quando vou ao médico com minha mãe nunca leva mais de alguns minutos. E emendou: porque demorou tanto?
Sorri, e sentindo sua firmeza, respondi:
– Os primeiros quinze minutos foram gastos com um jogo de esconde-esconde. Ela disse: “não sei o que eu tenho, está tudo bem comigo, não tem nada me incomodando, não entendo por que estou tendo essa sensação ruim, esse aperto no peito, esse medo de morrer…”
– Mas se ela procurou você por que não falou logo a verdade? perguntou ele.
– Porque as pessoas não vão abrindo seus sentimentos, seus medos e suas angústias assim rapidamente. É preciso haver confiança e, para que isso aconteça, demora um certo tempo. O mesmo que acontece com você quando chega num lugar estranho e fica retraído, só se soltando
devagar, expliquei a ele.
– E ela se abriu depois?, perguntou Lugano com um brilho no olhar.
– Sim, respondi. Mas, antes, ficou um pouco emocionada, tentou fazer com que eu sentisse pena dela mas, vendo que eu me mantinha firme, acabou desabando.
Falou que sempre foi um pouco ansiosa e queria abraçar o mundo todo de uma só vez, mas sempre controlou isso.
Agora era diferente. Desde fevereiro, quando começou a trabalhar, não tinha mais tempo
para nada, sua vida era correr.
De casa para o trabalho, do trabalho para a escola. Em casa, à noite, cuidava de tudo. Os filhos cobravam sua atenção. À noite, deitava e dormia imediatamente.
O marido reclamava que ela sempre estava cansada. Ah! E tinha engordado quinze quilos no último ano. Para ela mesmo nada fazia, não sobrava tempo.
Falei-lhe então que era preciso investigar algum problema físico, fazer alguns exames, mas tudo indicava que o problema era o estresse.
O que lhe faltava eram algumas horas a mais no seu dia. Tinha mais atividades do que era possível dar conta.
Enfim, precisaria reduzir seus afazeres para lhe sobrar algum tempo.
Ela então mostrou uma receita azul que o médico havia lhe passado. Comprimidos que iam reduzir sua ansiedade, acalmá-la e fazê-la dormir melhor.
Lugano então parou, olhou-me friamente e falou.
– Poxa, se o problema dela é falta de tempo, será que esse remédio faz o dia ficar mais comprido?
Passei a mão na cabeça dele, sorri e mudei de assunto.
Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente