Pobres gastam mais com seguridade social do que ricos
A razão da distorção é que a base da contribuição é formada por taxações que são repassadas aos consumidores como a CSLL, a Cofins e a extinta CPMF, cobrada até 2007
Um estudo da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, ligada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirma análises sobre a injustiça tributária no Brasil. Segundo a dissertação de mestrado do economista Erito Marques de Souza Filho, os mais pobres gastam proporcionalmente mais renda do que os mais ricos para o financiamento da seguridade social (saúde, Previdência Social e assistência social).
“Em nossos trabalhos, evidenciou-se que quanto menor a faixa de renda maior proporção dela é destinada para o financiamento da seguridade social. Um indivíduo pertencente ao primeiro décimo da distribuição de renda domiciliar per capita destina 9,4% de sua renda [de R$ 71,52], enquanto para um indivíduo pertencente ao ultimo décimo esse valor é de 1,09% [com renda per capita de R$ 3.992,37]”, compara o economista, que também é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
A razão da distorção é que a base da contribuição é formada por taxações que são repassadas aos consumidores como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), cobrada até 2007 e incluída na pesquisa de Marques.
Os valores cobrados das empresas são repassados e estão embutidos nos preços finais das mercadorias, como os produtos da cesta básica de alimentos. “Constatamos que as despesas com alimentação correspondem a cerca de 37% para os indivíduos pertencentes primeiro décimo da distribuição de renda domiciliar per capita e de 33% para um individuo pertencente ao segundo décimo. Além disso, a contribuição indireta de um domicílio pobre corresponde a cerca de 20% do valor de uma cesta básica”, calcula Marques.
O maior peso do custeio da seguridade social sobre os mais pobres se manteve inclusive nos últimos anos, considerados de crescimento da renda desse estrato. “Esse crescimento permitiu que os pobres aumentassem não somente seu consumo, mas também sua contribuição indireta para a Seguridade”, explica o economista.
Para Marques, a distorção perpetua a desigualdade e esvazia a função distributiva que deveria ter o Estado. “O cerne da questão não está na quantia paga pelos pobres ou pelos ricos, mas sim em como utilizar adequadamente a política tributária, de modo a permitir ao Estado prover satisfatoriamente esses serviços ditos não mercantis a toda população. No caso brasileiro, em função do elevado grau de desigualdade, não é possível tornar equânime o acesso a esses serviços sem que haja um processo de redistribuição vertical, dos mais ricos para os mais pobres.”
Na análise do economista, a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), unificando impostos federais e também o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), conforme previsto na proposta de reforma tributária em discussão na Câmara dos Deputados, não reverte a injustiça tributária. “A criação do imposto sobre o valor agregado, além de não reverter a tendência de maior ônus sobre os mais pobres, pode inviabilizar um dos legados da Constituição de 1988: a garantia de um orçamento próprio para a Seguridade independente das oscilações do ciclo econômico”, alerta Marques.
Na opinião do economista, o sistema tributário poderá ficar mais justo e distributivo se houver a instituição de um Programa de Renda Mínima, proposto pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), e desoneração da cesta básica e alimentos em geral. “Isenções de impostos sobre alimentos, em particular, ampliariam o consumo e fomentariam o desenvolvimento econômico e social. De uma maneira mais geral, qualquer isenção sobre bens essenciais é sempre benéfica para os mais pobres.”
Marques avalia que a cobrança de impostos sobre herança e grandes fortunas são ideias oportunas, mas pouco viáveis na atual conjuntura. “Esses impostos poderiam amenizar ou mesmo compensar a regressividade do sistema tributário brasileiro. Entretanto, o maior problema com relação a esses tributos é vencer a resistência da elite econômica, que empreende esforços para deslegitimá-los”.
Na próxima terça-feira, a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulga, em Brasília, nova análise sobre os efeitos da carga tributária sobre a renda dos brasileiros.
Da Agência Brasil