Poesia do ABC: Golondrina Ferreira
Golondrina Ferreira é metalúrgica, poeta e militante. Dos três ofícios, o de poeta é o mais recente, mas diz estar aprendendo nos três. Autora do livro ‘Poemas para não perder’ publicado pela Trunca, coletivo anticapitalista dedicado a investigar, traduzir e divulgar a poesia “truncada”, “desaparecida”, “apagada” da América Latina.
SURTADOS
a saúde está em primeiro lugar!
a saúde do sistema
pletora
que no seu auge
cai
pra desespero dos analistas
e analisados
tudo vai parar!
parar de contar os mortos
dispensados os atestados de óbito
ignorados
nas redes
e nas correntes de oração
invisíveis
a fumaça das fábricas
e dos corpos queimando na contramão
fique em casa!
depois do trabalho
porque sua produção
é imprescindível
eles tão autossuficientes
não podem esconder
que dependem do seu trabalho
– socorram! as máquinas inúteis
sem seu trabalho-vivo
que também não quer morrer
bata palmas, bata panelas!
mas bata o cartão
o país precisa de vocês
os que ninguém se dá conta
os que não saem na conta
os que se amontoam nas fábricas e ônibus
nas salas de telemarketing
os trabalhadores da saúde sem máscara
os que transportam, entregam as comidas
e limpam as casas
dos infectados
mantenham somente os serviços essenciais!
essenciais pra manter os rendimentos
de quem não quer ser o primeiro a quebrar
com mais uma crise
essenciais quanto são a manteiga
ou os canhões
essencial para transformar o seu dinheiro
em mais e mais
dinheiro
agradeça que tem um emprego!
– ainda tem um emprego?
e que tem um salário
ou a porcentagem de um salário
orgulhe-se de ser dos que não param
dos que seguem os violinos
dos que não podem parar
dos que se pararem…
param com essa insanidade toda.