Poesia do ABC: Matilde Ribeiro
Doutora em Serviço Social, foi ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial no governo Lula. O poema abaixo, escrito por ela, foi lido pela autora durante live da Comissão das Metalúrgicas do ABC sobre a luta das mulheres, no último dia 19.

Dona de si e do mundo
Mulher negra é dona de si,
mas não nasce com esse saber.
O mundo lhe diz não,
parece que seu destino é sofreguidão.
Durante muito tempo em sua vida,
os dias lhe escapam pelos vãos dos dedos.
Não existe tempo nem pra ter medo,
é uma tarefa atrás de outra, desde muito cedo.
A mãe quando não morre antes da hora,
também não é educada para ser senhora de suas obras.
Os dizeres pra avó, mãe e filha são sempre quase os mesmos,
são Marias que cuidam dos outros, da humanidade.
Mas da herança do cuidar, limpar e servir,
surge também um sentir e agir ancestral.
É nesse fio condutor da vida,
que se apegam as que respiram fundo,
e com o peito cheio de ar,
sacodem a cabeça e deixam o corpo girar.
Esse movimento por tempos e repetidas vezes,
oportuniza a percepção de que as coisas não são estáticas.
E se o mundo sai do prumo,
tudo pode ter outro rumo.
Há um túnel com luz,
existem pistas nas esquinas da vida.
Sim… mulher negra é dona de si,
e se não nasceu sabendo,
se a mesquinhez humana lhe escondeu esse segredo,
deve ficar atenta aos acenos do vento,
que a levarão ao lugar de si própria.
É nessa hora que vem a descoberta:
“Sim… mulher negra é dona de si”!
E a luta é pra que também se aproprie,
cada vez mais de si própria e do mundo a sua volta!