Ponto de Vista|Como fazer uma crise decolar

Há momentos em que recursos tecnológicos e agências reguladoras têm pelo menos uma coisa em comum: estão mais para os interesses privados do que para o atendimento e o interesse público

Por Mauro Santayana

Crises políticas não surgem por acaso. São
construídas pelos interesses econômicos. Por mais que os cientistas
políticos teorizem, o problema fundamental do mundo é o egoísmo dos
ricos, que querem sempre mais e nunca pagam salários justos. Os pobres,
é a velha constatação dos humanistas, não têm outra coisa a vender
senão a sua inteligência e força de trabalho. Em razão disso, devem se
organizar e resistir. A partir dessa realidade é possível, por exemplo,
entender a crise nos transportes aéreos brasileiros, que levou quase
400 pessoas à morte em dois grandes acidentes – o do vôo 1907 da Gol,
em colisão com o jato Legacy, em 29 de setembro do ano passado, e o da
TAM, no aeroporto de Congonhas, no último 17 de julho.

Para
o bem e para o mal, os Estados Unidos servem de modelo para o mundo.
Seus cientistas e técnicos determinam o desenvolvimento tecnológico dos
aviões e a organização dos transportes aéreos. Partem do princípio
básico do capitalismo, a lei do lucro máximo. Os aviões devem ser
sempre maiores, para transportar mais passageiros, e ter o mínimo de
tripulantes, a fim de gastar menos com salários.

É
a mesma lógica que os trabalhadores das fábricas, dos bancos e das
lojas conhecem: ter de produzir mais com menos custos. Por isso, e para
isso, assim como a tecnologia não serviu para reduzir o preço dos
automóveis ou o custo dos serviços bancários para os consumidores, os
computadores passaram a tomar o lugar dos tripulantes, em vez de ter
como função primordial melhorar suas condições de trabalho. Os grandes
aviões só precisam de dois pilotos. Para concentrar os comandos em
pequenas alavancas, suprimiram-se os manches. O piloto não pilota; dá
ordem aos computadores para que pilotem. E, como os computadores só
fazem aquilo para que estão programados, ignoram ordens imprevistas.
Assim ocorrem as tragédias.

No
governo Reagan, nos Estados Unidos, sob pressão das grandes empresas,
afrouxou-se a fiscalização sobre o setor aéreo de tal maneira que, de
acordo com a imprensa internacional nos anos 90, as empresas estavam
“recuperando”, em oficinas na Turquia, peças usadas e as reutilizando.
E os aviões começaram a cair.

Seguindo
o neoliberalismo, o governo de Fernando Henrique Cardoso criou as
agências reguladoras. Embora tenha sido implantada no atual governo, a
Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) já vinha sendo construída
desde o governo dos tucanos. Sob a mesma concepção e leis que criaram
agências semelhantes, como a das telecomunicações (Anatel), a da
energia elétrica (Aneel), das águas (ANA).

Em
tese, elas deveriam regular o funcionamento de serviços públicos que o
Estado confere ou transferiu ao setor privado, com a participação de
governo, usuários e empresas. Na realidade elas só atendem ao interesse
dos empresários. Como a própria Anac confessou, seus fiscais estavam
viajando com passagens fornecidas pelas empresas. Os usuários, tanto do
transporte aéreo como dos outros serviços públicos, ainda que pudessem
participar de todas as decisões dessas agências, não dispõem do mesmo
poder de fogo dos capitalistas.

Mais
uma vez, tentam criar uma crise para desgastar um governo eleito e
obrigá-lo a concessões contrárias ao interesse nacional. Desta vez não
será tão fácil um golpe, como em 1964. Não temos crise econômica, o
desemprego está em queda e a inflação, sob controle. Não dependemos do
FMI, os juros estão caindo, vendemos mais do que compramos e o saldo em
divisas supera a dívida externa.

Além
de tudo, o governo federal gastou quase 3 bilhões de reais nos últimos
cinco anos com reformas nos principais aeroportos brasileiros. Se houve
desvios de verbas nas obras é preciso pôr os ladrões na cadeia. Mas o
que desejam os oposicionistas não é a moralidade. O que tentam é tirar
proveito da tragédia, com a cumplicidade de parte da mídi