Ponto de Vista|Os atropelos do novo tempo

 

O Brasil necessita de reformas estruturais urgentes. O problema é encontrar o projeto possível, dentro dos ritos democráticos

Por Mauro Santayana

Há 46 anos, a eleição e posterior renúncia de Jânio
Quadros interromperam um ciclo em que as liberdades democráticas
conviviam com o esforço nacional de desenvolvimento acelerado da
economia. Juscelino, em Minas e no governo federal, usou do sistema de
economia mista, com a participação minoritária de investidores
brasileiros e o controle acionário, pelo Estado, de empresas como a
Cemig, a Petrobras e a Eletrobrás.

A
receita é a mesma da China, hoje: desenvolvimento é questão de Estado.
Juscelino conseguira a aliança entre os setores ativos da sociedade
(trabalhadores, intelectuais, empresários, profissionais liberais da
classe média) em torno de uma idéia forte, que era a do nacionalismo.
Nacionalismo sem xenofobia, admitia a inevitável participação do
capital estrangeiro, como fase a ser superada depois com a conquista da
tecnologia.

Ao confrontar-se
com o Congresso Nacional, Jânio tentou, sem êxito, o golpe de Estado,
confiando em sua popularidade. O povo suspirou aliviado: o
autoritarismo de Jânio prenunciava um ditador insuportável. Jânio
recolheu-se ao ostracismo. Durante o governo de João Goulart, as mesmas
forças que se haviam aliado contra Vargas e foram vencidas por
Juscelino se rearticularam, para o golpe de 1964. O povo brasileiro
pagou muito caro pelo que obteve de crescimento nos 21 anos de governo
militar.

Agora, é preciso
começar tudo de novo. Há dois grandes desafios. Um deles é a
reconstrução do pacto federativo, com a devolução aos estados da
autonomia perdida nestes últimos 43 anos. A legislação em vigor
conflita com princípios da Federação. A União usurpou os direitos dos
estados, em matéria de tributos, na educação, na segurança pública, na
assistência à saúde e nas obras de infra-estrutura. As pessoas nascem,
vivem, trabalham, produzem e morrem nos municípios, e estes se
encontram em regiões – os estados – separadas, desde os tempos
coloniais, por fronteiras culturais e econômicas bem definidas. Vários
governadores, tendo à frente o de Minas e o do Rio de Janeiro, têm
insistido nessa restauração do pacto republicano de 1891.

Outro
problema grave é o da legitimidade da representação política. Ela
precisa ser fortalecida, mas parte da reforma política que vem sendo
proposta, de votação em lista, viola o princípio democrático. O povo
deixaria de ser representado, em sua vontade originária, e a
representação passaria aos partidos. Os partidos, salvo aqueles de
nítida ideologia, como os de esquerda, não representam o povo, mas,
sim, as grandes corporações.

A
“votação” em listas teria alguma coerência, se os atuais partidos
fossem denominados pelo que realmente são, em sua presença no
Congresso: o partido dos banqueiros (Febraban), o partido dos
empresários (CNI-Fiesp/Fierj), o partido das empresas evangélicas, o
partido do latifúndio (UDR), sem falar no partido da bala, dos que
defendem os esquadrões da morte.

Outro
problema sério, e de difícil solução, dentro dos dispositivos
constitucionais em vigor, é o da separação dos poderes. O Congresso, no
regime presidencialista, não existe para associar-se ao Poder
Executivo, mas para a ele opor-se, na fiscalização de seus atos. A
Constituição dos Estados Unidos, por exemplo, estabelece absoluta
separação entre membros do Executivo e do Legislativo. Nenhum membro do
Senado ou da Câmara pode ser funcionário do Poder Executivo – a menos
que renuncie ao mandato. E funcionário do Poder Executivo não poderá
ser eleito para o Congresso, a menos que se licen